Em
Outubro-10, de 2017, celebraram-se em Coimbra os 150 anos da
abolição da pena de morte em Portugal, um marco glorioso, porque pioneiro, que
até fez Victor Hugo lançar, desde França, um rasgado elogio aos portugueses,
colocando Portugal na vanguarda da civilização universal.
Hélas!
– exclamaria hoje, inconsolável e perdido, o genial romancista parisiense, ao constatar a tragédia com que,
precisamente no centro do nosso país, deparar-se-ia perante uma
paisagem-cemitério de mais de 100 mortos, “A pena de morte voltou a Portugal”!...
Mais cruel e assassina que outrora, pois são inocentes todas as vítimas que os
530 incêndios devoraram nos 350 mil hectares de terra queimada!
Quem, mesmo de longe como nós, seguiu atentamente a vertigem dos acontecimentos,
os gritos lancinantes, o desespero sem tréguas, a fúria do vento em chamas, não
resistiu à dor, sentindo o lume chegar-nos à pele, as cinzas turvar-nos a vista e o corpo todo, sufocando-nos a
respiração! Mas o mais pungente foi a sensação de impotência perante a
tragédia, a impotência das vítimas, dos bombeiros, do povo anónimo. E a nossa
também.
O estertor do apocalipse bateu-nos à porta.
De sobressalto, como o fogo. Sacudiu a sociedade, de alto a baixo. E eis-nos
todos – nas redes sociais, na imprensa, em mesas redondas e em debates
quadrados - a interpelar a atmosfera, os planos estratégicos, os incendiários
profissionais, as corporações, os madeireiros, os autarcas, os meteorologistas,
os paisagistas, os governos de hoje, de ontem, do século passado. No meio de
todo esta barafunda ensurdecedora, não será difícil distinguir entre a análise
serena, criteriosa, sentida e, do lado
oposto, a verborreia sem pausa e sem nexo, descontrolada e enviesada de raiz,
enfim, a lamúria-espectáculo para impressionar o consumidor desatento,
antepondo ao bem dos lesados outros interesses
encapotados, os seus, classistas, partidários. Sintomático foi o esbracejar de um
conhecido comentador que, bem arrumado e engravatado na poltrona do estúdio,
exigia ao Estado a expropriação/retenção das terras cujos proprietários não
procedessem à sua limpeza. Muito bem, diria eu, se não adivinhasse que o mesmo seria
o primeiro opositor da dita proposta, caso o proprietário o constituísse seu
defensor na barra do tribunal…
Não entro por aí. Nem tão pouco pela
sofreguidão voraz dos que, desde há muito (e com culpas no processo) só vêm como
solução atirar uma mulher à fogueira,
para que os incêndios se extingam e os mortos ressuscitem. E não vou por aí,
porque é enorme, no tempo e no espaço, a empresa da regeneração dos solos, do
ordenamento florestal, da gestão dos aquíferos e respectiva rentabilização, de
uma acurada pedagogia cívica e, acima de tudo, de uma inteligente
repartição dos recursos disponíveis. Serão necessários orçamentos de décadas
inteiras para alcançar o cimo da montanha.
Julgar e condenar quem, por acção ou
omissão, fez de Portugal um lugar de tortura, a morte pelo fogo, é um direito e
um dever de cidadania. Mas que, na sentença, seja imperativo e visível o horizonte da defesa da
“nossa casa comum”. Enquanto
usufrutuários inquilinos desta nesga do planeta, apraz-nos ouvir o apelo
genesíaco do grande Friedrich Nietzsche: “Irmãos, amai a Terra”!
17.Out.19
Martins
Júnior
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