quinta-feira, 7 de abril de 2022

A GUERRA DE TODOS OS DIAS: A (DES)INFORMAÇÃO

                                                                           


Quem por mero acaso ou rotineira curiosidade tem acompanhado o meu repúdio – e maior o sofrimento – acerca das atrocidades ocorridas na Ucrânia, interrogar-se-á das minhas preocupações em fazer comparar episódios tangenciais entre o leste europeu e a paisagem insular, mais concretamente, a Madeira.

         Apresso-me a esclarecer, em forma de resposta, alegando que, na mundividência global em que vivemos, somos todos iguais e todos somos diferentes. Em consequência, chegamos à conclusão de que observando os outros é a nós próprios que estamos a observar-nos. É fenómeno recorrente não vermos ao pertos os nossos erros e só os descortinamos quando os detectamos no terreiro do vizinho. Descobrir a fealdade grosseira da nossa casa, nem que seja comparando-a com a dos estranhos, é a mais acertada estratégia para barrarmos o passo ao domínio do absurdo.

         Refiro-me à chamada guerra de (des)informação. O povo russo, tal como acontecia com o povo português durante a guerra colonial, é vítima da mais cruel ditadura: a ignorância. No império putinista, a grande muralha entre o ditador e o povo é a que se ergue nos órgãos de comunicação social. Ignorar, defraudar, rasurar a última centelha da liberdade que resta ao cérebro humano! É a arma mais poderosa em campo de guerra. TV, Rádio, jornais e até púlpitos fazem de um povo forte um rebanho acéfalo, anestesiado.

          Sou daquele tempo, pós 25 de Abril de 1974 – e afirmei-o na Assembleia Legislativa Regional – em que para lermos notícias da Madeira tínhamos de recorrer aos jornais do Continente, “exactamente como no tempo do fascismo salazarista, para termos notícias de Portugal era necessário ler e ouvir a informação estrangeira”.

         É assunto vasto, tão vasto e, nalguns casos, mísero, que não cabe neste breve apontamento. Que os jornais e os mendicantes de benesses oficiais façam passar a “voz do dono” – isso é água de charcos quotidianos. Agora, que intelectuais, professores, historiadores (assim se consideram) façam coro com a arraia-miúda da (des)informação caseira, isso já ultrapassa as fronteiras da dignidade de um povo.

         Falo de uma publicação que ostenta o pomposo título “História da Autonomia da Madeira”, com a desculpabilizante advertência de “Dicionário Breve”. Ao tratar do movimento separatista-terrorista denominado “Flama” (página 98) toca com punhos de renda ou jogo de marionetes no ataque à bomba preparado na Ponte do Seixo, Água de Pena, em 1976, para rebentar quando passasse a camioneta em que, entre outros, viajavam o cantor José Afonso e o candidato à Presidência da República, Otelo Saraiva de Carvalho, em campanha na Madeira. A caixa de explosivos reduziria a escombros toda aquela zona da freguesia.

         Mas a camioneta chegou ilesa ao aeroporto onde embarcaram para Lisboa o candidato e sua comitiva. Mas por que não rebentou a caixa assassina?... O ilustre historiador responde: “Não se concretizou, na sequência de alertas provenientes da ala politica, pelo facto de a camioneta que transportava o candidato estar repleta de crianças”.

         O investigador, capciosamente, não explicita nem identifica a ala política. Anos mais tarde, vieram a descobrir-se as fontes da informação: os operacionais da “Flama” numa conferência de imprensa dada pelos próprios. Assim se faz a história!... O historiador não teve a mínima consciência profissional, não consultou as partes envolvidas. Sem mais delongas jorrou pelos dedos fora esta imundície noticiosa e foi-se à vida. E ficou assim escarrapachada para sempre a versão do relator clandestino. Só lhe faltou dizer que a bomba mortífera ninguém a pôs ali, caiu do céu de “Santa Beatriz”, orago da freguesia!...

          Em menos de três linhas, um monte de embustes: Eram as nove da manhã quando a viatura seguiu para o aeroporto. Não viajava nenhuma criança, porque era tempo lectivo e as crianças estavam na escola. O que, porém, ainda não foi contado foi a história de uma outra criança da dita freguesia que, ao dirigir-se para a sua escola, viu a armadilha no trilho do caminho. O resto, investiguem os historiadores!

         Muito há ainda por descobrir sobre o terrorismo “russo-flamista” na ilha azul…

         Entendo ser dever de qualquer cidadão denunciar os acontecimentos e erguer bem alto a verdade dos factos. E não permitir que, através do papel tintado de certas imprensas, a soldo dos mesmos empresários, se multipliquem os tentáculos do polvo dominador.

         Ainda não chegámos à Rússia!

 

         07.Abr.22

Martins Júnior   

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