Quem
por mero acaso ou rotineira curiosidade tem acompanhado o meu repúdio – e maior
o sofrimento – acerca das atrocidades ocorridas na Ucrânia, interrogar-se-á das
minhas preocupações em fazer comparar episódios tangenciais entre o leste
europeu e a paisagem insular, mais concretamente, a Madeira.
Apresso-me a esclarecer, em forma de resposta,
alegando que, na mundividência global em que vivemos, somos todos iguais e todos
somos diferentes. Em consequência, chegamos à conclusão de que observando os
outros é a nós próprios que estamos a observar-nos. É fenómeno recorrente não
vermos ao pertos os nossos erros e só os descortinamos quando os detectamos no
terreiro do vizinho. Descobrir a fealdade grosseira da nossa casa, nem que seja
comparando-a com a dos estranhos, é a mais acertada estratégia para barrarmos o
passo ao domínio do absurdo.
Refiro-me à chamada guerra de
(des)informação. O povo russo, tal como acontecia com o povo português durante
a guerra colonial, é vítima da mais cruel ditadura: a ignorância. No império
putinista, a grande muralha entre o ditador e o povo é a que se ergue nos
órgãos de comunicação social. Ignorar, defraudar, rasurar a última centelha da
liberdade que resta ao cérebro humano! É a arma mais poderosa em campo de
guerra. TV, Rádio, jornais e até púlpitos fazem de um povo forte um rebanho
acéfalo, anestesiado.
Sou
daquele tempo, pós 25 de Abril de 1974 – e afirmei-o na Assembleia Legislativa
Regional – em que para lermos notícias da Madeira tínhamos de recorrer aos
jornais do Continente, “exactamente como no tempo do fascismo salazarista, para
termos notícias de Portugal era necessário ler e ouvir a informação estrangeira”.
É assunto vasto, tão vasto e, nalguns
casos, mísero, que não cabe neste breve apontamento. Que os jornais e os
mendicantes de benesses oficiais façam passar a “voz do dono” – isso é água de
charcos quotidianos. Agora, que intelectuais, professores, historiadores (assim
se consideram) façam coro com a arraia-miúda da (des)informação caseira, isso já
ultrapassa as fronteiras da dignidade de um povo.
Falo de uma publicação que ostenta o
pomposo título “História da Autonomia da Madeira”, com a desculpabilizante
advertência de “Dicionário Breve”. Ao tratar do movimento
separatista-terrorista denominado “Flama” (página 98) toca com punhos de renda
ou jogo de marionetes no ataque à bomba preparado na Ponte do Seixo, Água de
Pena, em 1976, para rebentar quando passasse a camioneta em que, entre outros,
viajavam o cantor José Afonso e o candidato à Presidência da República, Otelo
Saraiva de Carvalho, em campanha na Madeira. A caixa de explosivos reduziria a
escombros toda aquela zona da freguesia.
Mas a camioneta chegou ilesa ao
aeroporto onde embarcaram para Lisboa o candidato e sua comitiva. Mas por que
não rebentou a caixa assassina?... O ilustre historiador responde: “Não se
concretizou, na sequência de alertas provenientes da ala politica, pelo facto de a camioneta que transportava o candidato
estar repleta de crianças”.
O investigador, capciosamente, não
explicita nem identifica a ala política. Anos
mais tarde, vieram a descobrir-se as fontes da informação: os operacionais da “Flama”
numa conferência de imprensa dada pelos próprios. Assim se faz a história!... O
historiador não teve a mínima consciência profissional, não consultou as partes
envolvidas. Sem mais delongas jorrou pelos dedos fora esta imundície noticiosa
e foi-se à vida. E ficou assim escarrapachada para sempre a versão do relator
clandestino. Só lhe faltou dizer que a bomba mortífera ninguém a pôs ali, caiu
do céu de “Santa Beatriz”, orago da freguesia!...
Em
menos de três linhas, um monte de embustes: Eram as nove da manhã quando a
viatura seguiu para o aeroporto. Não viajava nenhuma criança, porque era tempo
lectivo e as crianças estavam na escola. O que, porém, ainda não foi contado
foi a história de uma outra criança da dita freguesia que, ao dirigir-se para a
sua escola, viu a armadilha no trilho do caminho. O resto, investiguem os
historiadores!
Muito há ainda por descobrir sobre o
terrorismo “russo-flamista” na ilha azul…
Entendo ser dever de qualquer cidadão
denunciar os acontecimentos e erguer bem alto a verdade dos factos. E não
permitir que, através do papel tintado de certas imprensas, a soldo dos mesmos
empresários, se multipliquem os tentáculos do polvo dominador.
Ainda não chegámos à Rússia!
07.Abr.22
Martins Júnior
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