“Morrer
é deixar de ser visto” . À expressão do grande poeta, eu aporia estoutra,
validada como sinónima; Morrer é ser (ficar) esquecido. Com o esquecimento vem
todo o atrelado da falta de memória, do corte de raízes, da deturpação dos
factos, do vírus da ingratidão, numa palavra, vem a traição do “alzheimer”
social. O esquecimento, seja como causa, seja como efeito, quando injectado num
povo, tem consequências de alcance incalculável. Um povo sem memória – pior que o indivíduo –
não sabe de onde vem nem sabe para onde vai.
Serve este longo preâmbulo para
monitorizar uma breve constatação, breve na síntese, mas intensa no conteúdo: A
constatação da caminhada descendente que o povo português (onde incluo com
maior incidência o povo madeirense) está a ensaiar, de degrau em degrau e sem
dar por isso, nos meandros, curvas e contra-curvas do quotidiano sombrio, de
modo a esquecer a génese do Portugal renascido das cinzas do fascismo. É o
resvalar suave para o “alzheimar” sócio-político mais profundo. É esquecer as
raízes deste tronco em flor, cortar a seiva deste tronco novo que é Abril em
Portugal.
Parece
que, ao aproximar-se o cinquentenário da Revolução dos Cravos, agitam-se os
apagadores da história para empanar a data da nova Restauração do País, adocicando
e deturpando as origens, ou – muito mais grave – relegando o Dia Limpo para o
espólio das fardas velhas. Há, sem sombra de dúvida, as toupeiras do antigo
regime a roer os dedos com que subimos a encosta e há as enguias invertebradas
do saudosismo salazarista a serpentear por entre os seixos da nossa praia.
Haverá, porventura, outra tribo que esquece por esquecer.
Vigilância
é o que faz falta – já avisava Zeca Afonso. Porque tenho o direito de não ficar
cego, apático, insensível ao mundo em que vivo – o direito de não ficar
esquecido – permito-me destacar dois momentos em que, durante o 25 de Abril de
2022, foram servidas pílulas sonolentas, mais precisamente, estupefacientes bem
empacotados para anestesiar o cidadão incauto.
Muito
clara e assertivamente: o programa na RTP/M, em que o mais incontrolado inimigo
do “25 de Abril” aparece a tecer loas e cantares à Revolução dos Cravos. Homens
e mulheres de hoje, jovens e crianças não sabem quem proibiu a Assembleia
Regional de festejar o “25 de Abril”. Precisamente, o desfigurado que agora
canta Abril, cujo intento bélico sempre foi abater os fautores da libertação do
povo.
O
outro momento foi delicioso: o matutino funchalense, decano da Imprensa,
aproveita a mesma data para viajar até ao ano de 1936, a Revolta do Leite. Especiosa
inspiração leitoa: esquecer Abril ou, envergonhadamente, dar-lhe um cheirinho a
cravo, deslizando-o para o roda-pé da página.
Perante
a onda pré-elaborada nas oficinas do alzheimer” político-publicitário, tenho o
direito de interpretar e dizer “Não”!!!
Abril,
de onde nasceu a Autonomia, pertence originariamente à Constituição da
República Portuguesa, pela mão dos deputados constituintes. Por mais embates,
sucessos e contratempos da sua marcha, é um imperativo constitucional, social e
individual, segurar a Liberdade e a Autonomia, erguer cada vez mais alto os
Cravos de Abril!
Se
os nossos maiores lutaram por construir Portugal de Abril, compete-nos lutar
contra as armas do esquecimento que pretendem rasurar Abril!
27.Abr.22
Martins Júnior
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