Em
1974, a alma do Cravo Livre venceu a ditadura dos homens. E em 2022, a alma
rediviva do mesmo Cravo Aberto venceu a ditadura-natura que, durante dois anos
consecutivos, nos amarrou as mãos que plantam e os braços que levantam Abril de
Cravos Mil. Foi, portanto, o dia de hoje
uma dupla vitória restaurada e ampliada.
Em Machico, os cravos refloriram no
chão jovem dos corações que povoam as terras de Tristão Vaz. A teimosa chuva
cantante durante toda a manhã preparou a apoteose de um tarde global colorida
pelo sol, pelas diversas faixas etárias, pelas canções coreografadas em palco,
enfim, pelas mensagens ditas, pelas esperanças semeadas no Largo-testemunha de
Abril em quase meio-século de vitalidade contínua.
Em
verso, música e dança interpretadas pelos jovens desfilaram as conquistas de
Abril, desde a abolição do regime de colonia, a destruição do medo secular e a
conquista do bem maior da Liberdade – uma extensa e bela partitura escrita pelo
suor, denodo e chama do povo desta terra, justamente cognominada de “Terra de
Abril”. Para quem viveu “na hora” a dolorosa e gloriosa transição entre
regimes, a ditadura para a Democracia, foi hoje o Dia da Renascença!
Melhor vigília não poderíamos ter saboreado do que a da noite de 24 no Salão de Actividades Culturais da Junta de Freguesia de Machico, cujo programa entrelaçou duas freguesias/concelhos gémeos: Câmara de Lobos e Machico, através das Tunas de Bandolins que proporcionaram um concerto comum, partilhado vocalmente por todos os que encheram o local.
Todos
aqueles que instauraram ou transplantaram Abril, esses já fizeram a sua parte.
Falta agora à geração de hoje – e de amanhã – fazer a sua.
Fazer
Abril é criar um estado de alma permanente inspirado nos ideais da Revolução
dos Cravos.
É
Abril quando nasce um filho.
É
Abril quando a criança dá o primeiro passo na escola.
É
Abril quando o jovem termina o curso na Faculdade ou na Escola Profissional.
É
Abril quando os namorados se casam, quando o lavrador lança a semente e
recolhe-a com êxito, quando o pedreiro levanta uma nova construção e ainda é
Abril quando o pescador enche o barco de cardumes, como Pedro no Mar da
Galileia.
Tudo
é Abril, se ganharmos dentro de nós um estado de alma de Abril!
Sempre
que o Homem quer, Abril responde “Presente, Aqui estou”!
A
primeira condição para fazer Abril é ser competente no ofício e respectivo
desempenho. Desde a base até ao vértice da sociedade. A falência dos regimes e
de todo o sistema partidário acontece quando incluem nos seus elencos governativos
ou nas suas listas gente incompetente, inábil, desonesta, calculista e
corrupta. E há tantos casos à nossa volta…
Abril
não está na eloquência dos discursos tribunícios, embora oportunos, nem está
também nos decibéis dos propagadores do som, nem muito menos nas lantejoulas
furtivas dos fogos-de-artifícios. Porque o estado de alma de Abril não é
extático, é dinâmico, não é formal mas existencial, orgânico, corpo vivo que
cresce em espiral evolutiva.
Cada
povo tem o “seu” 25 de Abril. Há muitos anos, passou na Ribeira Seca o Bispo de
Setúbal, D. Manuel Martins, apelidado de “Bispo Vermelho”, já falecido. No
contacto com os jovens, disse textualmente que “o 25 de Abril foi o Dia de
Páscoa de todos os portugueses”. E disse-o muito bem.
Recordo
aqui a “Tomada da Bastlha” em França, o histórico “14 de Julho” e associo-o à
recente vitória de Emanuel Macron.
Lembro, porém, com mais emoção, o 7 de Setembro, o Dia da Independência do
Brasil. Em 1972, ouvi eu da boca do corajoso arcebispo Hélder da Câmara, em
Olinda e Recife, este libelo veemente contra a ditadura militar brasileira,
então vigente; “Queremos o progresso do Brasil, sim, mas terá de ser levado a
efeito com os brasileiros, pelos brasileiros e para os brasileiros”.
Ao
Arcebispo de Olinda Recife, também alcunhado de “Arcebispo Vermelho”, peço
licença para recuperar as suas palavras e lançar idêntico pregão aos
portugueses, aos madeirenses e, em última instância, aos machiquenses:
Queremos
um 25 de Abril, sim decididamente, mas com
os machiquenses (portugueses, madeirenses), pelos machiquenses (portugueses, madeirenses) e para os machiquenses (portugueses,
madeirenses)!
Porque
Abril não é obra de anjos ou extra-terrestres, nem de líderes partidários,
Abril é tarefa de todos nós!
Um
voto do tamanho do mundo ecoou, de 24 a 25 de Abril, com o Hino Nacional da Ucrânia,
interpretado vibrantemente pela Tuna: “Venha depressa um 25 de Abril para o
Povo Ucraniano”.
25,Abr.22
Martins Júnior
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