segunda-feira, 11 de abril de 2022

DESNUDAR A SEMANA – REVER O PROCESSO

                                                                                  


É, sem dúvida, a Semana Maior da História e à qual se juntam as grandes histórias da Humanidade. No entanto, com a pretensão de torná-la ainda mais opulenta, gerações a fio cobriram-na de sete saias de seda lilás, calçaram-na de coturnos esotéricos, transparentes, polvilharam-na de nardos e míticos unguentos, encheram-na de acordes monumentais, quase sepulcrais, enfim, e o resultado foi que apoucaram-na, encobrindo-lhe o rosto e a mensagem.

         Falo da, assim designada,  Semana Santa, o acontecimento polimórfico de tantas e repetidas roupagens, desde as mais sumptuosas às mais folclóricos que até já ganharam palco na mundana propaganda turística. E com isso, ficou menos límpida e menos eloquente a Semana Maior.

         Há as conotações teológicas para todos os gostos, entre as quais, a de que Deus Pai exigiu a cabeça do seu próprio Filho para reparar a ofensa de um terceiro, supõe-se que de Adão, tornando-se assim um Deus violento e um Pai justiceiro. Noutra versão, Jesus entregou-se voluntariamente à morte, passando então à condição de suicida. Uma terceira versão sugere que, quisesse Ele ou não, teria de ser assassinado por ordem do Pai, pelo que alguém deveria encarregar-se do crime letal. Nestes termos, o assassino (neste caso, Judas) teria de ser canonizado, pelo bem fez à salvação do mundo”.

         Todo este emaranhado, mais estonteante que o labirinto de Creta, porquê e para quê ?...

Para branquear o horrendo crime, desde há muito tempo maquinado pelas classes dominantes de Jerusalém contra Jesus. Em termos fácticos, foi isto que se passou, um processo judicial ilegítimo, sem provas, idêntico a tantos outros que mais tarde e até hoje (e até sempre) o poder ditatorial é capaz de cominar com a pena capital. Tudo o mais não passa de cenários excedentários, prantos sacros, espectáculo vistoso que enchem os olhos mas esvaziam o espírito.

É nesta direcção que farei o percurso da semana. De há algum tempo a esta parte, já interiorizei que, neste âmbito, é preciso desnudar a semana (pôr a nu a tragédia do Calvário) monitorizar o processo de Jesus, porque o seu “caso” ultrapassa o fenómeno puramente cultual e mergulha no mais sensível e verdadeiro da história humana. Suponho ter sido neste sentido que René Pascal escreveu: “Jesus continua em agonia até ao fim dos tempos”.

Assim como a emoção perturba a razão, assim também a emotividade inerente à religião (mais intensamente nesta masoquista sucessão de episódios) prejudica a racionalidade interpretativa dos factos.

Neste percurso sinto-me apoiado e acompanhado no pensamento do sábio teólogo Schillebeeckx:

“A morte de Jesus na cruz é a consequência de uma vida de serviço à justiça e ao amor, uma consequência da sua opção pelos pobres e excluídos, de uma opção pelo seu povo que sofre sob a exploração e opressão. Num mundo mau, qualquer compromisso com a justiça e o amor é fatalmente perigoso”.

 

11 .Abr.22

Martins Júnior

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