É,
sem dúvida, a Semana Maior da História e à qual se juntam as grandes histórias
da Humanidade. No entanto, com a pretensão de torná-la ainda mais opulenta,
gerações a fio cobriram-na de sete saias de seda lilás, calçaram-na de coturnos
esotéricos, transparentes, polvilharam-na de nardos e míticos unguentos,
encheram-na de acordes monumentais, quase sepulcrais, enfim, e o resultado foi
que apoucaram-na, encobrindo-lhe o rosto e a mensagem.
Falo da, assim designada, Semana Santa, o acontecimento polimórfico de
tantas e repetidas roupagens, desde as mais sumptuosas às mais folclóricos que até
já ganharam palco na mundana propaganda turística. E com isso, ficou menos
límpida e menos eloquente a Semana Maior.
Há as conotações teológicas para todos
os gostos, entre as quais, a de que Deus Pai exigiu a cabeça do seu próprio
Filho para reparar a ofensa de um terceiro, supõe-se que de Adão, tornando-se
assim um Deus violento e um Pai justiceiro. Noutra versão, Jesus entregou-se
voluntariamente à morte, passando então à condição de suicida. Uma terceira
versão sugere que, quisesse Ele ou não, teria de ser assassinado por ordem do
Pai, pelo que alguém deveria encarregar-se do crime letal. Nestes termos, o
assassino (neste caso, Judas) teria de ser canonizado, pelo bem fez à salvação
do mundo”.
Todo este emaranhado, mais estonteante
que o labirinto de Creta, porquê e para quê ?...
Para
branquear o horrendo crime, desde há muito tempo maquinado pelas classes dominantes
de Jerusalém contra Jesus. Em termos fácticos, foi isto que se passou, um
processo judicial ilegítimo, sem provas, idêntico a tantos outros que mais
tarde e até hoje (e até sempre) o poder ditatorial é capaz de cominar com a
pena capital. Tudo o mais não passa de cenários excedentários, prantos sacros,
espectáculo vistoso que enchem os olhos mas esvaziam o espírito.
É
nesta direcção que farei o percurso da semana. De há algum tempo a esta parte,
já interiorizei que, neste âmbito, é preciso desnudar a semana (pôr a nu a
tragédia do Calvário) monitorizar o processo de Jesus, porque o seu “caso” ultrapassa
o fenómeno puramente cultual e mergulha no mais sensível e verdadeiro da
história humana. Suponho ter sido neste sentido que René Pascal escreveu: “Jesus
continua em agonia até ao fim dos tempos”.
Assim
como a emoção perturba a razão, assim também a emotividade inerente à religião
(mais intensamente nesta masoquista sucessão de episódios) prejudica a
racionalidade interpretativa dos factos.
Neste
percurso sinto-me apoiado e acompanhado no pensamento do sábio teólogo Schillebeeckx:
“A
morte de Jesus na cruz é a consequência de uma vida de serviço à justiça e ao
amor, uma consequência da sua opção pelos pobres e excluídos, de uma opção pelo
seu povo que sofre sob a exploração e opressão. Num mundo mau, qualquer compromisso com a justiça e o amor é fatalmente
perigoso”.
11 .Abr.22
Martins Júnior
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