Mesmo
que ninguém o diga, toda a gente o vê: Machico é diferente!
Diferente, porque alia - e até antecipa - o sabor do espírito ao
prazer gustativo da arraia-miuda que tipica os arraiais, Foi o que se viu no evento do princípio de Julho, quando afirmou e
sublinhou o encontro convivial em Machico e a que deu o sugestivo título de “Arte e Pesca”. Outro tanto (e com
maioria de razão e efeito) assomou no decurso da “Semana Gastronómica”, com
a peça de teatro “As espingardas da Senhora Carrar”.
Pela fruição plena do evento e pela
mensagem possante que dele emanou, não poderia o blog dos Dias Ímpares deixar passar incógnita esta hora ímpar da Arte
Dramática em terras de Tristão Vaz. Primeiro, pelo autor – Bertolt Brecht.
Depois, pela actualidade histórica do conteúdo, escrito embora em 1937 a
propósito da guerra civil de Espanha, ganha um força anímica e um acento
impressivo se o aproximarmos do trágico cenário que nos coube viver na invasão russa
contra a Ucrânia.
Em confronto aberto desfilam em palco
as duas teses opostas e os dois comportamentos contraditórios: de um lado, o
pacifismo imobilista dos defensores da paz, mesmo tendo por factura inexorável
a humilhação e a perda da dignidade existencial. Do outro lado, a luta esclarecida
e sem tréguas contra o opressor, ainda que seja exigido, em última instância, o
recurso às armas. A intuição de Brecht – e que arrasta o espectador para dentro
da cena – está na objectivação do conflitop psico-sociológico, não ao nível da pura ciência política, mas no
seio de uma família da classe proletária, mais precisamente, numa aldeia de
pescadores. É de um realismo inquietante o dilema familiar entre o resignar-se
ao ditador e o afrontá-lo de corpo e alma armados, ainda que com risco da própria
vida, Acabou por vencer a opção da luta, em homenagem aos que já tinham
sucumbido na frente da batalha!
Para além do autor e da oportunidade d“As
Espingardas da Senhora Carrar”, ficou patente aos olhos do público o desempenho
de todos os personagens - dicção, economia gestual, intensidade emotiva,
sobriedade cénica – sob a direcção dos professores Lucinda Moreira e Fábio
Ferro, uma produção da recém-criada “Oficina d’Arfet Teatro”. Bem hajam. E
venham sempre!
Titulei este apontamento com um “Enfim,
Machico fez Teatro”. E mantenho-o. Porque a amostragem de publicidade enganosa
que tem passado a opinião pública sob a designação de “Teatro em Machico” não tem
sido mais que uma agência empresarial de contratação do exterior, valendo tão-só por
esse ofício.
Todos não somos demais para reerguer a
eloquente Arte Dramática em Machico. Eis o abrir e o fechar do pano d”As
Espingardas da Senhora Carrar”.
05.Ago.22
Martins
Júnior
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