segunda-feira, 15 de agosto de 2022

SESSENTA ANOS – UM EPISÓDIO FUGAZ !

                                                                             


Fosse minha a síntese genial de Fernando Pessoa e, como ele, diria hoje, aqui e agora; Quem quiser fazer a  biografia destes 60 anos de percurso terá só de inscrever  duas datas – 15 de Agosto de 1962 e 15 de Agosto de 2022. Tudo o mais é meu!

Mas, porque não é meu tudo o mais, aqui deixo um registo breve (que eu desejaria longo, infinito) de gratidão para com todos os que comigo fizeram esta viagem. Faço-o com o frio gelo que queima toda a emoção  e, ao mesmo tempo,  com todo o calor que não posso conter no coração.

O dia em que um rapaz de 23 anos de idade subiu ao altar-mor da igreja matriz de Machico para celebrar Missa Nova. Era a manhã de 15 de Agosto de 1962.

O ano  de professor e prefeito no Seminário da Encarnação no Funchal.

Os dois anos (1963-1965) na paróquia do Espírito Santo, Porto Santo, então um deserto, que fez desabrochar em mim o milagre de transformar os cardos espinhosos em pétalas de oiro. Eternamente grato às gentes do Porto Santo, ao Grupo Folclórico, aos colaboradores locais, madeirenses e continentais em serviço na ilha, que comigo iniciaram o Ensino Preparatório e Secundário, os quais ainda não existiam oficialmente. O Pico Castelo, o Campo de Baixo, o Campo de Cima, a Lapeira e a Ponte. E o Ilhéu da Cal, para onde me levaram, com receio de que a Pide viesse buscar-me por ordem da diocese. Aos descendentes vivos dessa plêiade de ‘combatentes’ o meu preito maior.  

Os dois anos (1965-1967) como coadjutor na Sé Catedral do Funchal, os alunos da Escola Salesiana e do Colégio Lisbonense onde lecionei, a convite do poeta e historiador Padre Eduardo Pereira. “A Malta do Calhau”, distintos velejadores. Os Escuteiros Marítimos.

Os dois anos da guerra colonial (1967-1969) em Cabo Delgado, Moçambique, nessa degradante condição de tenente-capelão do Batalhão de Caçadores 1899, a nódoa mais negra em toda a minha vida: desalojar quem vivia pacificamente na sua própria casa, ainda que não passasse de uma pobre cabana. O baptismo de 32 macondes em Palma, junto ao Rio Rovuma.  Os 11 amigos meus, praças e furriéis, mortos à minha frente, numa mina anti-carro, precisamente em 15 de Agosto de 1967.  “A Visita da Velha Senhora”, de Francis Durremat, no palco de Mocuba, Quelimane, Zambézia. Os missionários italianos de Morrumbala.

Os 53 anos (1969-2022) na Ribeira Seca, a minha Universidade Existencial, onde aprendi factualmente que “O Povo é quem mais ordena”. Contra a ditadura política (1985) e contra a ditadura diocesana (2010), a Ribeira Seca escreveu em pedra no adro da sua igreja; “Este Chão é um Chão sagrado/Onde cantámos Vitória”. E porque ainda é cedo para o tempo da memória – estamos vivos! -  a História continua abrindo caminho.

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Ao fim de 60 anos, um súbito episódio na tela da vida, gostaria de incluir-me entre aqueles de quem o Mestre afirmou: “Somos servos inúteis. Só fizemos o que devíamos fazer” .  

 Com uma ressalva: Servi o Povo, não servi a Instituição!

Aos companheiros de viagem, a minha gratidão sem limite.

15.Ago.22

Martins Júnior

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