Se
tem pressa não perca tempo a ler este breve apontamento – é o que o título quer
dizer. Na verdade, trata-se aqui de um quase-passatempo (há quem desrespeitosamente
lhe chame um fait-divers), talvez uma
infantilidade de que se riem os adultos. Mas lá vai o conto em poucas linhas;
Diante
de um palco feericamente iluminado, a
plateia suspensa dos acordes tumultuosos dos trombones, das tubas, dos
tambores, o cheiro quente das espetadas a arder nas periferias, e um fundo de
cena capitoso, como uma lufada de estupefaciente irresistível, alguém ao meu
lado aponta para o alto firmamento e diz: “Estás a ver?... Parece que foi
alguém que a colocou propositadamente naquele sítio”.
Era a lua, o majestoso luar de Agosto,
posicionado a meio do palco e por cima das bambolinas dianteiras. Tão belo e
tão discreto. Tão forte e tão raquítico. Quase invisível, ofuscado que estava
pela ruidosa luminotécnica do palco.
Ninguém
dera por ela, nem eu próprio, se não fora o toque de cotovelo de quem estava
perto de mim. Mais estranho ainda é o mensageiro: nem poeta nem poetisa, nem
pianista. Era alguém da área do Direito, o tal Direito frio, cego, insensível.
Mas desta vez, jurista virou artista.
Fiquei
a pensar no desconcerto do mundo, na ambição demiúrgica do homem que pretende
rivalizar com a beleza inimitável da Criação Iniciática, enfim, os ‘muros da
vergonha’ com que o homúnculos terráqueo tapa
e obscurece as cordilheiras supremas do planeta.
Não
obstante a banalização do espaço lunar (bora, bora, os magnates da Terra já lá
foram sujá-lo), ainda conservo o romantismo do Luar de Janeiro de Augusto Gil, a Lua branca, além, por entre as oliveiras como a alma de um justo ia subindo
aos céus de Guerra Junqueiro, a Lua
de Londres de Gomes Leal. E de tantos outros poetas, pintores, músicos,
gente atenta ‘que vê o invisível’.
É
de uma evidência brutal e tão contraditória que nem damos por ela: fechamos os
olhos àquilo que nos traz a pureza virginal
da Natura e, em seu lugar, fabricamos fantasmas
que, mais cedo ou mais tarde, roubar-nos-ão a capacidade de olhar. Ver
!!! – ver como um danado, dizia
Fernando Pessoa.
O
betão-alcatrão macadamiza as flores dos jardins, os roncos das ‘bombas’ matam o
canto dos pássaros, os gigantes super-industriais aquecem os elementos e secam
as chuvas, esfacelam os solos, desabam os glaciares. E até os palácios da
justiça nutrem-se de injustiças assolapadas nas dobras das togas. E até a
sumptuosidade de santuários e vaticanos só servem para esconder o verdadeiro
rosto do seu Fundador!
Tal
como a apoteose desbragada do recinto da festa escondia o Luar de Agosto, estou
certo que na noite de amanhã a barafunda dos arraiais vai desviar a vista dos
mortais para não contemplarem a anunciada ‘chuva de estrelas’…
Perante
a opacidade de uma atmosfera que se quer transparente, a todos os títulos
(biológicos, psíquicos, ambientais, espirituais) e contra os vendavais de
miragens apocalípticas com que os novos “cavaleiros de Tróia” presenteiam e
poluem o ar que respiramos e a paisagem que disfrutamos, não há melhor resposta
que a do filósofo Diógenes, da velha Grécia, deu ao Rei que lhe apareceu à
porta do tugúrio onde vivia e, por isso, lhe tapava o sol: “O que te peço é que
saias da minha porta e não me tires o que não me podes dar. Tira-te daí e deixa
o sol entrar na minha cabana”.
Não
permitamos que nos tirem o Intermezzo do
Luar de Agosto!
11.Ago.22
Martins
Júnior
Só as mentes calcinadas pelas lutas da vida é que conseguem ver e ler o lastro infinito do invisível. Excelente Pe. Martins.
ResponderEliminarUm poeta do mais fino calibre......
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