quinta-feira, 11 de agosto de 2022

INTERMEZZO LUNAR – Para quem não tem pressa…

 


    Se tem pressa não perca tempo a ler este breve apontamento – é o que o título quer dizer. Na verdade, trata-se aqui de um quase-passatempo (há quem desrespeitosamente lhe chame um fait-divers), talvez uma infantilidade de que se riem os adultos. Mas lá vai o conto em poucas linhas;

         Diante de um palco feericamente  iluminado, a plateia suspensa dos acordes tumultuosos dos trombones, das tubas, dos tambores, o cheiro quente das espetadas a arder nas periferias, e um fundo de cena capitoso, como uma lufada de estupefaciente irresistível, alguém ao meu lado aponta para o alto firmamento e diz: “Estás a ver?... Parece que foi alguém que a colocou propositadamente naquele sítio”.

         Era a lua, o majestoso luar de Agosto, posicionado a meio do palco e por cima das bambolinas dianteiras. Tão belo e tão discreto. Tão forte e tão raquítico. Quase invisível, ofuscado que estava pela ruidosa luminotécnica do palco.

Ninguém dera por ela, nem eu próprio, se não fora o toque de cotovelo de quem estava perto de mim. Mais estranho ainda é o mensageiro: nem poeta nem poetisa, nem pianista. Era alguém da área do Direito, o tal Direito frio, cego, insensível. Mas desta vez, jurista virou  artista.

Fiquei a pensar no desconcerto do mundo, na ambição demiúrgica do homem que pretende rivalizar com a beleza inimitável da Criação Iniciática, enfim, os ‘muros da vergonha’ com que o homúnculos terráqueo tapa e obscurece as cordilheiras supremas do planeta.

Não obstante a banalização do espaço lunar (bora, bora, os magnates da Terra já lá foram sujá-lo), ainda conservo o romantismo do Luar de Janeiro de Augusto Gil, a Lua branca, além, por entre as oliveiras como a alma de um justo ia subindo aos céus de Guerra Junqueiro, a Lua de Londres de Gomes Leal. E de tantos outros poetas, pintores, músicos, gente atenta ‘que vê o invisível’.

É de uma evidência brutal e tão contraditória que nem damos por ela: fechamos os olhos  àquilo que nos traz a pureza virginal da Natura e, em seu lugar, fabricamos fantasmas  que, mais cedo ou mais tarde, roubar-nos-ão a capacidade de olhar. Ver !!! – ver como um danado, dizia Fernando Pessoa.

O betão-alcatrão macadamiza as flores dos jardins, os roncos das ‘bombas’ matam o canto dos pássaros, os gigantes super-industriais aquecem os elementos e secam as chuvas, esfacelam os solos, desabam os glaciares. E até os palácios da justiça nutrem-se de injustiças assolapadas nas dobras das togas. E até a sumptuosidade de santuários e vaticanos só servem para esconder o verdadeiro rosto do seu Fundador!

Tal como a apoteose desbragada do recinto da festa escondia o Luar de Agosto, estou certo que na noite de amanhã a barafunda dos arraiais vai desviar a vista dos mortais para não contemplarem a anunciada ‘chuva de estrelas’…

Perante a opacidade de uma atmosfera que se quer transparente, a todos os títulos (biológicos, psíquicos, ambientais, espirituais) e contra os vendavais de miragens apocalípticas com que os novos “cavaleiros de Tróia” presenteiam e poluem o ar que respiramos e a paisagem que disfrutamos, não há melhor resposta que a do filósofo Diógenes, da velha Grécia, deu ao Rei que lhe apareceu à porta do tugúrio onde vivia e, por isso, lhe tapava o sol: “O que te peço é que saias da minha porta e não me tires o que não me podes dar. Tira-te daí e deixa o sol entrar na minha cabana”.

Não permitamos que nos tirem o Intermezzo do Luar de Agosto!   

 

         11.Ago.22

         Martins Júnior

 


2 comentários:

  1. Só as mentes calcinadas pelas lutas da vida é que conseguem ver e ler o lastro infinito do invisível. Excelente Pe. Martins.

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