domingo, 21 de agosto de 2022

NO TRIPLO SALTO, ESCONJURAR OS GIGANTES DE PÉS DE BARRO

                                                                            


Sem tempo para largas lucubrações em tempo de vilegiatura estival, vale a pena passear a vista pela narrativa de Lucas, capítulo 12. É o ‘prazer do texto’ em cada nó da semana: o LIVRO. E o prazer está no triplo salto que se nos apresenta na argumentação, simultaneamente metafórica e assertiva, do Mestre e Líder das multidões na Galileia dos Gentios.

         Em luta frontal o parecer e o ser, o esforço denodado e o privilégio gratuito, os imerecidos predestinados ao trono e os ‘párias’, construtores anónimos do Reino Novo a haver. É o genuíno rosto de Jesus de Nazaré, a sua personalidade vertical, enérgica, galvanizadora,  em contraponto com as degradadas e derrotadas, resignadas imagens que os mercenários das religiões costumam fabricar para consumo magro dos crentes e para obesa recolha dos oradores.     

         Quem cortará a meta, quem alcançará o pódio vitorioso ou quem serão os convidados vip’s  ao banquete real?

         No contexto bíblico que provocou o discurso veemente do Mestre, só estarão os predestinados do berço, os herdeiros apáticos, os brasonados sem peito, os ‘imóveis’ (no duplo sentido) da casa, enfim, o nepotismo, o amiguismo, o compadrio, os sanguessugas alapados às botas do poder e às saias da hipocrisia. No caso vertente, os levitas, os sumos-sacerdotes, os fariseus, os escribas mangas-de-alpaca dos legisladores da época. É de uma dureza implacável o “Doce Nazareno” quando se trata de chamar ‘as coisas’ e os titulares pelo seu verdadeiro nome. No seu vocabulário não entram os parónimos, as reticências, as meias tintas ambíguas.

         Por breve análise, vejamos a dinâmica do Mestre em três fases progressivas;

         Primeiro: a quem o interpela sobre “quais e quantos se salvam”, responde em tom sintético, mas direcionado: “Se entrares pela porta estreita, chegas lá”. E precisa o método: “Esforça-te por isso”. Acção, empenho, voluntarismo!

Segundo: Os amigos batem à porta, o dono da casa manda desapareçam da frente da casa, porque não os conhece, mas “somos teus amigos, comemos e bebemos contigo, assistimos às tuas prédicas e aos teus discursos na praça pública, então não te lembras?”… E o dono repete com maior indignação “desapareçam da minha porta, vós que praticais injustiças, iniquidades, não vos conheço de lado nenhum”!

         Terceiro round,  este sem apelo nem agravo, directo, ‘tiro e queda’ contra os soberanos do templo, os juízes da salvação e da condenação distribuídas a seu bel-talante: “Virão muitos do Ocidente e do Oriente, do Norte e do Sul, sentar-se-ão à mesa do Reino e vós sereis postos na rua, todo o povo presenciará o vosso choro e ranger de dentes”.

         Ai, ai, ai, Senhor e Mestre, que isso não é só contra os Anás e os Caifás, não é só contra os fariseus… isso também é connosco, é comigo, é para os inquilinos do século XXI. É para os que cavalgam a mula da falsa fé, é para os rançosos penduras da política, é para os vendilhões compradores das consciências, para ‘os que dão um chouriço e esperam um porco de volta’, para os vira-casacas e similares.

         Oh, vem de novo, Jesus, com a vergasta da tua palavra e areja esta casa nossa envernizada mas pútrida, em cujos pilares estão alguns calados piratas vestidos de mordomos donzelos…

         Ou, perdoa-me, não venhas. Mal abrisses a boca, terias um putin em cada esquina da vida para te secar a garganta com o garrote da fome. A Ti e à Tua família. Ao ver cenas tão desajeitadas, ostensivamente mefistofélicas e ao ouvir certas prédicas de solenes arraiais,  ditas em Teu nome, permite-me, Senhor,  mas é o que sinto: Isto tem pouco conserto. Ou nenhum!

         Mas de pé fica para sempre o que disseste neste início da semana!     

 

         21.Ago.22

         Martins Júnior

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