Sem
tempo para largas lucubrações em tempo de vilegiatura estival, vale a pena
passear a vista pela narrativa de Lucas, capítulo 12. É o ‘prazer do texto’ em
cada nó da semana: o LIVRO. E o prazer está no triplo salto que se nos apresenta
na argumentação, simultaneamente metafórica e assertiva, do Mestre e Líder das
multidões na Galileia dos Gentios.
Em luta frontal o parecer e o ser, o
esforço denodado e o privilégio gratuito, os imerecidos predestinados ao trono
e os ‘párias’, construtores anónimos do Reino Novo a haver. É o genuíno rosto
de Jesus de Nazaré, a sua personalidade vertical, enérgica, galvanizadora, em contraponto com as degradadas e derrotadas,
resignadas imagens que os mercenários das religiões costumam fabricar para
consumo magro dos crentes e para obesa recolha dos oradores.
Quem cortará a meta, quem alcançará o
pódio vitorioso ou quem serão os convidados vip’s
ao banquete real?
No contexto bíblico que provocou o
discurso veemente do Mestre, só estarão os predestinados do berço, os herdeiros
apáticos, os brasonados sem peito, os ‘imóveis’ (no duplo sentido) da casa,
enfim, o nepotismo, o amiguismo, o compadrio, os sanguessugas alapados às botas
do poder e às saias da hipocrisia. No caso vertente, os levitas, os
sumos-sacerdotes, os fariseus, os escribas mangas-de-alpaca dos legisladores da
época. É de uma dureza implacável o “Doce Nazareno” quando se trata de chamar ‘as
coisas’ e os titulares pelo seu verdadeiro nome. No seu vocabulário não entram
os parónimos, as reticências, as meias tintas ambíguas.
Por breve análise, vejamos a dinâmica
do Mestre em três fases progressivas;
Primeiro: a quem o interpela
sobre “quais e quantos se salvam”, responde em tom sintético, mas direcionado: “Se
entrares pela porta estreita, chegas lá”. E precisa o método: “Esforça-te por
isso”. Acção, empenho, voluntarismo!
Segundo:
Os amigos batem à porta, o dono da casa manda desapareçam da frente da casa,
porque não os conhece, mas “somos teus amigos, comemos e bebemos contigo, assistimos
às tuas prédicas e aos teus discursos na praça pública, então não te lembras?”…
E o dono repete com maior indignação “desapareçam da minha porta, vós que
praticais injustiças, iniquidades, não vos conheço de lado nenhum”!
Terceiro round, este sem apelo nem agravo, directo, ‘tiro
e queda’ contra os soberanos do templo, os juízes da salvação e da condenação distribuídas
a seu bel-talante: “Virão muitos do Ocidente e do Oriente, do Norte e do Sul,
sentar-se-ão à mesa do Reino e vós sereis postos na rua, todo o povo
presenciará o vosso choro e ranger de dentes”.
Ai, ai, ai, Senhor e Mestre, que isso
não é só contra os Anás e os Caifás, não é só contra os fariseus… isso também é
connosco, é comigo, é para os inquilinos do século XXI. É para os que cavalgam
a mula da falsa fé, é para os rançosos penduras da política, é para os
vendilhões compradores das consciências, para ‘os que dão um chouriço e esperam
um porco de volta’, para os vira-casacas e similares.
Oh, vem de novo, Jesus, com a vergasta
da tua palavra e areja esta casa nossa envernizada mas pútrida, em cujos
pilares estão alguns calados piratas vestidos de mordomos donzelos…
Ou, perdoa-me, não venhas. Mal abrisses
a boca, terias um putin em cada esquina da vida para te secar a garganta com o
garrote da fome. A Ti e à Tua família. Ao ver cenas tão desajeitadas, ostensivamente
mefistofélicas e ao ouvir certas prédicas de solenes arraiais, ditas em Teu nome, permite-me, Senhor, mas é o que sinto: Isto tem pouco conserto. Ou
nenhum!
Mas de pé fica para sempre o que
disseste neste início da semana!
21.Ago.22
Martins
Júnior
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