É na estante da literatura biográfica que se afere o senso do leitor, tarefa esta que deu origem ao conhecido aforismo “ler com olhos de ver”. No extenso cortejo dos estrategas da história, tanto ao biógrafo como ao seu destinatário, exige-se que ultrapasse os meandros difusos da narrativa, por mais emotivos que se apresentem, para poder captar o núcleo gerador da estratégia do biografado.
Vem este preâmbulo a propósito da figura de J. Cristo, o ómega e a convergência da história universal, no dizer de Teilhard de Chardin. E a propósito vem também do texto que hoje, domingo, distribuiu aos fiéis a liturgia católica, no qual o Mestre, recorrendo a uma das categorias sócio-comportamentais da época (o arrendamento rural ou, diríamos aqui na Madeira, a colonia) desanca nos Sumos-Sacerdotes do Templo de Jerusalém, os formadores e contorcionadores das mentalidades de então.
Quem acompanha de perto a trajectória de J: Cristo verá --- e nisto não digo nada de novo --- que as suas linhas programáticas reconduzem-se ao design do sinal mais: a vertical e a horizontal. Na linha vertical, Ele torna consensual o que é contraditório: o finito e o infinito, a imanência e a transcendência, a humanidade e a Divindade, a quem carinhosamente trata por Seu Pai. Na linha horizontal está o ponto de partida, a razão de ser da sua presença: os marginalizados, os sem-terra-nem-abrigo, os mudos forçados, os servos da gleba, os colonizados mais na mente que no corpo. E assentou a sua estratégia neste tremendo mas incontornável binómio: para dar algo aos sem-nada é preciso despojar os donos-de-tudo! Para poupar os indefesos é urgente desarmar os donos-da-guerra! Para salvar os escravos da fé é imperioso afrontar os donos-do-Templo.
Já Sua Mãe, ainda jovenzinha quando foi até à aldeia montanhosa ajudar a prima Isabel , grávida de João Baptista, já Ela interpretava e enaltecia o seu Deus, porque “derrubou os poderosos dos seus tronos e exaltou os humildes…porque encheu de bens os famintos e aos ricos despediu-os sem nada” (Lc.1,53-54)
Não há que errar: é este o triunvirato --- donos-de-tudo, donos-da-guerra, donos-do-Templo --- que mata o mensageiro para afogar a mensagem, tal como na parábola de hoje, os vinhateiros apedrejaram e assassinaram os emissários-procuradores do Senhor. De pouco ou nada valem as migalhas se a fome e a economia de um offshore permanente matam diante dos nossos olhos. De pouco adiantam as piedosas juras de paz enquanto não forem arrebatadas as armas às mãos dos assassinos. E de nada servirão os programas culturais e as receitas emancipadoras se o povo deixa à solta nos púlpitos públicos os pregadores, “semeadores de sombras e quebrantos”, como teria dito Antero de Quental.
Foi esta a luta de J. Cristo. Mas de todos os poderes, com qual destes três teve Ele de confrontar-se acerrimamente? Fica a pergunta ao senso de cada qual. Da minha parte, responderei com a parábola do próximo domingo.
5.Out.14
Martins Júnior
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