Porque considero que certas formas devocionais podem resvalar para o espaço mítico da alienação e da exaltação do “ego”, este também revestido de variegadas roupagens, quero aqui ressalvar de novo o manto de uma fé que envolve as almas crentes, a quem Guerra Junqueiro dedicou os ternos alexandrinos do poema “Aos Simples”.
Mas tal não nos veda o acesso a um outro espaço --- o da análise crítica --- que transcende o manto diáfano da crença, para nos interrogarmos sobre o íntimo das coisas. Abreviando: o crente que paga (termo sacrílego!) a Deus (?) um círio ou seja o que for (uma taxa ou imposto voluntarista) fá-lo por um mandato individual, um bem, uma graça que acha que lhe foi concedida a ele especialmente ou a outrem com quem se identifica. Está ali um desejo pessoal, que começa e acaba nele, algo que, na sua fé, lhe foi dado, a título particular, como se o Grande e Benemérito Credor, o tivesse preferido a ele, enquanto uma multidão anónima de irmãos deficientes foram esquecidos ou preteridos pelo Autor Supremo. Perante a pose de certos romeiros que ostentam dois, três e mais círios lacrimejantes, tenho dificuldade em distingui-los do gesto do tal fariseu que erecto e iluminado ufanava-se diante do altar: “Senhor, eu cá pago o dízimo”… Mesmo sob a veste da compunção, lá no fundo há o exibir residual (inconsciente, talvez) de um “ego” que lhe foi satisfeito. Por isso que as procissões de velas mais se parecem com o desfilar de mendigos dependentes e que a si próprios se acham realizados nos subterrâneos da dependência.
Mas há um outro povo poderoso que não se contenta com as mãos estendidas ou de braços caídos. Traz no rosto enrugado as marcas do sofrimento e nos pés os grilhões da opressão, mas não fraqueja nem desiste, pelo contrário enfrentam os obstáculos e leva nas mãos as altas labaredas ou mesmo a chama que ainda fumega para abrir luz por entre a escuridão e lutar, lutar, não por uma benesse individualista e gratuita, mas por uma saúde para todos, um pão para todos, a libertação para todos. São gerações e gerações para quem a fé não estava na cerviz curvada mas na força dos calcanhares de um ideal comum. Esses são os que ouviram a palavra de ordem de J.Cristo “Levanta-te e anda” cujo eco se fez vida no poema de Sofia de Melo e na voz de Francisco Fanhais: ”Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
O frágil clarão dos telemóveis nas mãos dos milhares de jovens de Hong-Kong , unidos na grande praça para sacudir as férreas imposições de Pequim, expressa bem o cortejo universal na busca incessante da montanha da Justiça que o Supremo Senhor nos manda alcançar.
Num povo descontente, a revolução seja ela qual for, nunca é falhada. O agrilhoado foi sempre pioneiro na conquista. A liberdade não é pagável. Archote não alumia quem não quer ver.
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