Está na moda citar e falar de Francisco Papa.
E com razão, pois que muito caminho e muita vereda falta percorrer até alcançar aquele nascente onde mora o tesouro do seu projecto de reencontrar-se com o mundo de hoje e de amanhã.
Da minha parte, convido os meus companheiros de jornada, via net, para compartilhar um escrito, redigido em 19 de Abril de 2013, na "lua-de-mel" do seu mandato, escrito esse a que nao foi dado o direito de ver a luz do dia, talvez por causa de um modesto parênteses intercalado no texto.
Não será presunção gratuita deduzir que, um ano e meio depois, confirma se a "moral" do texto: se não for o povo , o básico e o rásico, a apoiá-lo, será vão todo o esforço de Francisco Papa.
Escrevo em Abril. No clarão da
Páscoa, no coração da Primavera.
É no centro desta trilogia que
situo os acontecimentos ocorridos na sede oficial da Cristandade, podendo
titulá-los, tanto de Abril em Roma, como de Páscoa Vaticana ou Primavera na
Praça, dita de Pedro. Outra coisa não significam as parábolas gestuais com que Francisco
Papa se tem repetidamente identificado.
Tal como todos os signos, as parábolas gestuais do argentino-bispo de Roma
ultrapassam-se a si mesmas e dizem muito mais que todas as palavras. Haja quem
as entenda e, sobretudo, quem lhes dê passagem, quem as fortaleça no
conflituoso trânsito da história que todos nós vamos escrevendo! E aqui é que
está o essencial dos seus gestos: quem quer vir comigo? Quem está disponível
para acompanhar-me neste Abril nascente, nesta Páscoa nova, nesta Primavera
rediviva?. Foi isto que ele quis dizer quando, em vez de rasgar a atmosfera com
redondas bênçãos papais, pediu humildemente a bênção orante dos milhares de
fiéis apinhados na Praça, como a implorar: “Sozinho, não vou lá. Nem com o ouro
da tiara, nem com a omnipotente força do báculo papal. Sem vós. serei mais um
desertor, um frágil desistente como o meu predecessor”.
O que falta e sempre lhe faltará
é que os cristãos abram as suas mentalidades. Bento XVI, com a sua deserção,
deixou entre-aberta a porta da Igreja. Francisco abriu-a de par em par, isto é,
dessacralizou e desidolatrou o mito do Super-Papa e apontou o caminho para a
redescoberta do Cristo e do seu projecto. Bem vaticinou Jean-François Bouthors,
antes do conclave: “O próximo Papa não deverá ser necessariamente um homem
providencial, porque a Igreja não precisa de ídolos --- e acrescenta ---
enquanto perdurar a ilusão de esperarmos
do Papa um milagre salvador, a Igreja será incapaz de reencontrar o dinamismo
da sua missão”. Esse dinamismo está na
grande massa que é o Povo cristão, como de resto se manifestava na vivência dos
primeiros séculos da Igreja. Mais proximo de nós tive a dita de vê-lo e
ouvi-lo pessoalmente em Olinda e Recife, o arcebispo Hélder de Câmara em 7 de setembro de 1972, na comemoração da
independência do Brasil: “Diz o governo que sou contra o progresso do Brasil.
Mas não!. O que eu quero é o progresso do Brasil,sim, mas com os brasileiros,
pelos brasileiros e para os brasileiros”. Na mesma linha, em Portugal, os teólogos Anselmo Borges, Bento Domingues,
Henrique Pinto.
A história esclarece-nos que
nenhuma Primavera chega a flor, muito menos a fruto, se a população lhe não
servir de terra e água: vejam a Primavera de Praga, a Primavera marcelista, a
de Abril, a Primavera árabe…
Quanto mais (ou quanto menos) estiver
o Povo no dentro da alma transformadora da história tanto mais (ou tanto
menos) alcançarão sucesso os seus
líderes.
É por isso que as parábolas
gestuais de Francisco Papa não são apenas indícios de bonomia e humildade: são, acima de tudo, um imperativo,
uma convocatória colectiva para a acção.
Porque ele sabe que o seu mandato não será diverso das passadas do Mestre. Até
agora, foi a Quinta-Feira Santa do Pão e do Vinho, a “agapé” dos abraços e dos
perdões sem rosto nem fronteiras. Mas doravante começa a sua Sexta-Feira Santa
da luta contra os imperadores-banqueiros do Mal, contra os príncipes das trevas
montados no próprio Vaticano e disseminados por quanto é mundo. Não foi sem
razão que recentemente Miguel Boyer
Arnedo produziu uma profunda reflexão a que deu o título: “O Papado como um inferno”.
Aí é que Francisco vai interpelar os aparentemente mais chegados: “Quereis
ajudar-me a beber deste cálix de amargura?” Aí é que ele perguntará aos
cardeais se estão dispostos a trocar a púrpura mundana pela túnica do
“Poverello?" Aí, é que ele vai chamar os núncios, ditos apostólicos de cada
país: quereis de facto abandonar essa execrável fraude de vos considerardes embaixadores estatais de
Pedro, um pobre pescador da Galileia? E a cada bispo, (os do Funchal inclusive): até quando ficareis presos à subserviência dos poderosos da política,
só porque vos dão um prato de lentilhas, o cimento e o telhado para as igrejas?… Estais dispostos a sair dos vossos palácios
para viver, como eu fiz, num simples apartamento de uma das ruas da cidade?...
E a cada cristão de base, a cada
um de nós, perguntará: queres libertar-te de velhos preconceitos, ver a luz, queres
ser militante do Cristo verdadeiro e não das suas caricaturas?... Então vem
comigo, aí tens abertas as portas da Vida.
Certo é que --- ele bem o sabe
--- os precursores da Revolução, seja ela qual for, nunca terão em vida o ceptro da vitória em
sua mão. É o seu drama e a sua glória.
Talvez que o não deixem ultrapassar a agonia da Sexta-Feira da Paixão.
Depende de nós, das nossas mentalidades. Por isso, nunca mais sairá da nossa
retina e da memória colectiva o imperativo-súplica de 13 de Março de 2013:
“Preciso da vossa bênção!”
27.Out.14
Martins Jr.
Sem comentários:
Enviar um comentário