segunda-feira, 27 de outubro de 2014

ABRIL NA PRAÇA ROMANA: “Preciso da vossa bênção!”

Está na moda citar e falar de Francisco Papa.

E com razão, pois que muito caminho e muita vereda falta percorrer até alcançar aquele nascente onde mora o tesouro do seu projecto de reencontrar-se com o mundo de hoje e de amanhã.

Da minha parte, convido os meus companheiros de jornada, via net, para compartilhar um escrito, redigido em 19 de Abril de 2013, na "lua-de-mel" do seu mandato, escrito esse a que nao foi dado o direito de ver a luz do dia, talvez por causa de um modesto parênteses intercalado no texto.

Não será presunção gratuita deduzir que, um ano e meio depois, confirma se a "moral" do texto: se não for o povo , o básico e o rásico, a apoiá-lo, será vão todo o esforço de Francisco Papa.

Escrevo em Abril. No clarão da Páscoa, no coração da Primavera.
É no centro desta trilogia que situo os acontecimentos ocorridos na sede oficial da Cristandade, podendo titulá-los, tanto de Abril em Roma, como de Páscoa Vaticana ou Primavera na Praça, dita de Pedro. Outra coisa não significam as parábolas gestuais com que Francisco Papa  se tem repetidamente identificado. Tal como todos os signos, as parábolas gestuais do argentino-bispo de Roma ultrapassam-se a si mesmas e dizem muito mais que todas as palavras. Haja quem as entenda e, sobretudo, quem lhes dê passagem, quem as fortaleça no conflituoso trânsito da história que todos nós vamos escrevendo! E aqui é que está o essencial dos seus gestos: quem quer vir comigo? Quem está disponível para acompanhar-me neste Abril nascente, nesta Páscoa nova, nesta Primavera rediviva?. Foi isto que ele quis dizer quando, em vez de rasgar a atmosfera com redondas bênçãos papais, pediu humildemente a bênção orante dos milhares de fiéis apinhados na Praça, como a implorar: “Sozinho, não vou lá. Nem com o ouro da tiara, nem com a omnipotente força do báculo papal. Sem vós. serei mais um desertor, um frágil desistente como o meu predecessor”.
O que falta e sempre lhe faltará é que os cristãos abram as suas mentalidades. Bento XVI, com a sua deserção, deixou entre-aberta a porta da Igreja. Francisco abriu-a de par em par, isto é, dessacralizou e desidolatrou o mito do Super-Papa e apontou o caminho para a redescoberta do Cristo e do seu projecto. Bem vaticinou Jean-François Bouthors, antes do conclave: “O próximo Papa não deverá ser necessariamente um homem providencial, porque a Igreja não precisa de ídolos --- e acrescenta --- enquanto perdurar a ilusão  de esperarmos do Papa um milagre salvador, a Igreja será incapaz de reencontrar o dinamismo da sua missão”. Esse dinamismo está  na grande massa que é o Povo cristão, como de resto se manifestava na vivência dos primeiros séculos da Igreja. Mais proximo de nós tive a dita de vê-lo e ouvi-lo pessoalmente em Olinda e Recife, o arcebispo Hélder de Câmara em 7 de setembro de 1972, na comemoração da independência do Brasil: “Diz o governo que sou contra o progresso do Brasil. Mas não!. O que eu quero é o progresso do Brasil,sim, mas com os brasileiros, pelos brasileiros e para os brasileiros”. Na mesma linha, em Portugal,  os teólogos Anselmo Borges, Bento Domingues, Henrique Pinto.
A história esclarece-nos que nenhuma Primavera chega a flor, muito menos a fruto, se a população lhe não servir de terra e água: vejam a Primavera de Praga, a Primavera marcelista, a de Abril, a Primavera árabe…
Quanto mais (ou quanto menos) estiver o Povo no dentro da alma transformadora da história tanto mais (ou tanto menos)  alcançarão sucesso os seus líderes.
É por isso que as parábolas gestuais de Francisco Papa não são apenas indícios de bonomia e  humildade: são, acima de tudo, um imperativo, uma convocatória  colectiva para a acção. Porque ele sabe que o seu mandato não será diverso das passadas do Mestre. Até agora, foi a Quinta-Feira Santa do Pão e do Vinho, a “agapé” dos abraços e dos perdões sem rosto nem fronteiras. Mas doravante começa a sua Sexta-Feira Santa da luta contra os imperadores-banqueiros do Mal, contra os príncipes das trevas montados no próprio Vaticano e disseminados por quanto é mundo. Não foi sem razão que recentemente  Miguel Boyer Arnedo produziu uma profunda reflexão a que deu o título: “O Papado como um inferno”. Aí é que Francisco vai interpelar os aparentemente mais chegados: “Quereis ajudar-me a beber deste cálix de amargura?” Aí é que ele perguntará aos cardeais se estão dispostos a trocar a púrpura mundana pela túnica do “Poverello?" Aí, é que ele vai chamar os núncios, ditos apostólicos de cada país: quereis de facto abandonar essa execrável fraude  de vos considerardes embaixadores estatais de Pedro, um pobre pescador da Galileia? E a cada bispo, (os do Funchal inclusive): até quando ficareis presos à subserviência dos poderosos da política, só porque vos dão um prato de lentilhas, o cimento e o telhado para as igrejas?…  Estais dispostos a sair dos vossos palácios para viver, como eu fiz, num simples apartamento de uma das ruas da cidade?...  
E a cada cristão de base, a cada um de nós, perguntará: queres libertar-te de velhos preconceitos, ver a luz, queres ser militante do Cristo verdadeiro e não das suas caricaturas?... Então vem comigo, aí tens abertas as portas da Vida.
Certo é que --- ele bem o sabe --- os precursores da Revolução, seja ela qual for,  nunca terão em vida o ceptro da vitória em sua mão. É o seu drama e a sua glória.  Talvez que o não deixem ultrapassar a agonia da Sexta-Feira da Paixão. Depende de nós, das nossas mentalidades. Por isso, nunca mais sairá da nossa retina e da memória colectiva o imperativo-súplica de 13 de Março de 2013: “Preciso da vossa bênção!”



27.Out.14
Martins Jr.

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