quarta-feira, 29 de outubro de 2014

DEUS E A CIÊNCIA: Caminhos contraditórios, paralelos ou concorrentes ?

 
         É na correnteza dos dias deslizantes que se captam os grandes espaços do pensamento e as pistas seguras para o nosso agir.
         Foi o que sucedeu ontem e anteontem em dois acontecimentos fortuitos. Um deles foi o lançamento do livro-colectânea de teólogos portugueses, da responsabilidade de António Marujo, edições Gradiva, na Livraria Bucholz, Lisboa. O outro foi o discurso de Francisco Papa aos cientistas. Nos dois acontecimentos, está em causa a relação: Deus e Ciência. Perante um auditório de primeira água em que estiveram alguns autores constantes do volume publicado, tive o privilégio de ouvir o Prof. Dr. Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, dissertar sobre os dois conceitos, aparentemente antagónicos, focalizando a sua exposição em dois sacerdotes cientistas já falecidos: João Resina e Luís Archer (“o padre que vestiu a bata de laboratório”) chegando à conclusão de que não são contraditórias as duas fontes de conhecimento, mas o importante é que cada uma siga o seu curso normal, sem a tentadora ambição de uma sobrepor-se à outra. Porque quando se misturam indisciplinadamente ou, pior, impõem dogmas de todo falíveis, é a síntese que se perde, isto é, fica prejudicado o acesso à Verdade. Foram aduzidos os casos paradigmáticos de Nicolau Copérnico, Kepler, Galileu Galilei, este último condenado pela arrogância ignorante da Igreja. Mais recentemente, a repressão sobre o grande Teilharh de Chardin. No fim de contas, a Ciência prevalece, precisamente porque é essencialmente “mistério” que se ousa desvendar, mas uma vez desvendado, abre-se em novo e desafiante mistério. Por isso se diz que “a ciência cresce em espiral”.  Primeiro a ciência, depois a razão, citações de Galileu e do Pe. António Vieira.
         Dentro da mesma esfera do conhecimento vão as declarações de Francisco Papa, a que a comunicação deu ontem e hoje o merecido relevo, mais precisamente sobre a tão discutida “partícula de Deus” e o não menos imbricado dilema “Creacionismo-Evolucionismo”.
         É deveras considerável esta coincidência, sobretudo num tempo em que um exagerado e doentio misticismo pretende endossar à Divindade aquilo que é pertença e trabalho do seu humano, seja em verso religioso ou vela piedosa, seja em forçada sacralização do natural e positivo, seja em supostos milagres de duvidosa crença. Para clarificar os dados do problema, o Prof. Carlos Fiolhais discordou de uma das afirmações do Pe Tolentino Mendonça, quando escreve que “a poesia e a arte são questões religiosas”. O Homem é criador, por natureza. Prefiro, pois, a genialidade de Fernando Pessoa quando escreveu: “O binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente a dar por isso”.
         Nem de propósito, o jornal “Le Monde”, na sua edição de hoje, citando John Donoghue, Professor na Universidade de Brown, Rhoad Island (Estados Unidos):  “Tenhamos a ousadia de interpretar  os sinais do cérebro”. E acrescenta: “O objectivo é fazer ver os cegos, ouvir os surdos, fazer andar os paralíticos”.
         É este um tema apaixonante e galvanizador a que valeria a pena regressar.

29.Out.14

Martins Jr.

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