É na correnteza dos dias deslizantes
que se captam os grandes espaços do pensamento e as pistas seguras para o nosso
agir.
Foi o que sucedeu ontem e anteontem em
dois acontecimentos fortuitos. Um deles foi o lançamento do livro-colectânea de
teólogos portugueses, da responsabilidade de António Marujo, edições Gradiva,
na Livraria Bucholz, Lisboa. O outro foi o discurso de Francisco Papa aos cientistas.
Nos dois acontecimentos, está em causa a relação: Deus e Ciência. Perante um
auditório de primeira água em que estiveram alguns autores constantes do volume
publicado, tive o privilégio de ouvir o Prof. Dr. Carlos Fiolhais, da
Universidade de Coimbra, dissertar sobre os dois conceitos, aparentemente
antagónicos, focalizando a sua exposição em dois sacerdotes cientistas já
falecidos: João Resina e Luís Archer (“o padre que vestiu a bata de
laboratório”) chegando à conclusão de que não são contraditórias as duas fontes
de conhecimento, mas o importante é que cada uma siga o seu curso normal, sem a
tentadora ambição de uma sobrepor-se à outra. Porque quando se misturam
indisciplinadamente ou, pior, impõem dogmas de todo falíveis, é a síntese que
se perde, isto é, fica prejudicado o acesso à Verdade. Foram aduzidos os casos
paradigmáticos de Nicolau Copérnico, Kepler, Galileu Galilei, este último condenado
pela arrogância ignorante da Igreja. Mais recentemente, a repressão sobre o
grande Teilharh de Chardin. No
fim de contas, a Ciência prevalece, precisamente porque é essencialmente
“mistério” que se ousa desvendar, mas uma vez desvendado, abre-se em novo e
desafiante mistério. Por isso se diz que “a ciência cresce em espiral”. Primeiro a ciência, depois a razão, citações
de Galileu e do Pe. António Vieira.
Dentro da mesma esfera do conhecimento
vão as declarações de Francisco Papa, a que a comunicação deu ontem e hoje o
merecido relevo, mais precisamente sobre a tão discutida “partícula de Deus” e
o não menos imbricado dilema “Creacionismo-Evolucionismo”.
É deveras considerável esta
coincidência, sobretudo num tempo em que um exagerado e doentio misticismo
pretende endossar à Divindade aquilo que é pertença e trabalho do seu humano,
seja em verso religioso ou vela piedosa, seja em forçada sacralização do
natural e positivo, seja em supostos milagres de duvidosa crença. Para
clarificar os dados do problema, o Prof. Carlos Fiolhais discordou de uma das
afirmações do Pe Tolentino Mendonça, quando escreve que “a poesia e a arte são
questões religiosas”. O Homem é criador, por natureza. Prefiro, pois, a
genialidade de Fernando Pessoa quando escreveu: “O binómio de Newton é tão belo
como a Vénus de Milo. O que há é pouca gente a dar por isso”.
Nem de propósito, o jornal “Le Monde”,
na sua edição de hoje, citando John Donoghue, Professor na Universidade de
Brown, Rhoad Island (Estados Unidos): “Tenhamos a ousadia de interpretar os sinais do cérebro”. E acrescenta: “O
objectivo é fazer ver os cegos, ouvir os surdos, fazer andar os paralíticos”.
É
este um tema apaixonante e galvanizador a que valeria a pena regressar.
29.Out.14
Martins Jr.
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