sexta-feira, 3 de outubro de 2014



UM HOMEM LIVRE, LIVRE, LIVRE!



Foi esse um dia inteiro, aberto e livre.
Porque aberto e livre e inteiro estava o vencedor no pódio rasteiro desse nobre anfiteatro da Gulbenkian, em Lisboa,  surpreendentemente transformado no “Átrio dos Gentios”, tal a mestiçagem de povos e credos, estatutos e profissões, ex-presidentes da República, Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, escritores, médicos e pensadores, Oliveira e Silva, Lídia Jorge, Eduardo Lourenço, catedráticos, Anselmo Borges, Dimas de Almeida, Soromenho Marques, Alfredo Teixeira, artistas, mulheres, jovens, jornalistas, enfim, um vasto oceano da verdadeira globalização onde desaguam todos os rios da inteligência, da coragem, da acção e da luta por uma terra habitável, todos  ali em redor de um octogenário acabado de renascer: Frei Bento Domingues!
 Chamaram-lhe “monge cronista, teólogo do humor, cronista de Deus”, mas para mim  ele é o protótipo do Homem universal, inteiro e livre! Intelectual e aldeão, pastorinho de ovelhas, andarilho das quatro partidas, com raízes de esperança que criou em terras e tempos de escravidão, Angola colonial, Moçambique, Chile, Brasil, Peru, mais tarde preso pela Pide em Portugal e exilado do seu próprio país.
Num irrecusável impulso de gratidão, interrompi por um dia a minha presença no “Jubileu dos 500 anos” e, nessa sexta-feira, 19 de Setembro, não me pude conter sem manifestar a essa magna  assembleia reunida na Gulbenkian o mais sentido reconhecimento ao Grande  Frei Bento, mensageiro sem medo, por ter vindo à Madeira falar a um Povo de Deus numa humilde igreja, diabolizada pelo governo e pela diocese, bem como pela sua eloquente prestação na imprensa e na RTP/M. E, perante a universalidade dos conhecimentos colhidos, não hesitei em afirmar: ”Valeu a pena ter vindo: num só dia aprendi mais que nos “500 anos da diocese do Funchal” (Voltarei a este assunto em próximas crónicas).

Não posso deixar de registar a vigorosa intervenção do Prof.Dr. Miguel de Oliveira e Siva:  No painel “Cristo e a Igreja ainda interessam à sociedade portuguesa?” respondeu com outras duas perguntas:”Será que Cristo ainda interessa à Igreja em Portugal?” e “Será que Frei Bento interessa à Igreja portuguesa?”.

Na liberdade plena do seu estar, do seu trajar e do seu falar, Frei Bento dispensa homenagens. “Se ainda fosse por 3000 anos, vá lá. Mas agora, só por 80, não mereço”, agradeceu com o seu saudável e inseparável humor.
Para Frei Bento, aquela homenagem passou como o sol pela vidraça: não a absorveu consigo próprio, antes deixou-a iluminar todos aqueles que estavam no amplo anfiteatro e a todos os que lerem os dois últimos livros aí lançados UM MUNDO QUE FALTA FAZER  e A INSSURREIÇÃO DE JESUS, textos que António Marujo e Julieta Dias coligiram das crónicas dominicais de Frei Bento, desde há 22 anos no jornal PÚBLICO.
Deixo-vos com uma citação de Frei Bento, escrita em 28/01/2001:  “Foi rebentado o Muro de Berlim. É preciso quebrar a redoma de vidro dos privilegiados. Os gritos e as denúncias, as recomendações, as esmolas, os remendos, as solidariedades e os perdões de dívida não bastam. São urgentes propostas discutíveis que coloquem o centro na periferia. Cristo não nos deixou uma teoria para realizar essa deslocação: na periferia estabeleceu a sua tenda”.
Aqui reitero a minha homenagem, com as flores da Madeira que, em 19 de Setembro, emocionado coloquei nas suas mãos.


Martins Jr.  

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