UM HOMEM LIVRE, LIVRE, LIVRE!
Foi esse um dia inteiro, aberto e livre.
Porque
aberto e livre e inteiro estava o vencedor no pódio rasteiro desse nobre
anfiteatro da Gulbenkian, em Lisboa, surpreendentemente transformado no “Átrio dos
Gentios”, tal a mestiçagem de povos e credos, estatutos e profissões,
ex-presidentes da República, Ramalho Eanes e Jorge Sampaio, escritores, médicos
e pensadores, Oliveira e Silva, Lídia Jorge, Eduardo Lourenço, catedráticos,
Anselmo Borges, Dimas de Almeida, Soromenho Marques, Alfredo Teixeira,
artistas, mulheres, jovens, jornalistas, enfim, um vasto oceano da verdadeira
globalização onde desaguam todos os rios da inteligência, da coragem, da acção
e da luta por uma terra habitável, todos ali em redor de um octogenário acabado de
renascer: Frei Bento Domingues!
Chamaram-lhe
“monge cronista, teólogo do humor, cronista de Deus”, mas para mim ele é o protótipo do Homem universal, inteiro
e livre! Intelectual e aldeão, pastorinho de ovelhas, andarilho das quatro
partidas, com raízes de esperança que criou em terras e tempos de escravidão,
Angola colonial, Moçambique, Chile, Brasil, Peru, mais tarde preso pela Pide em
Portugal e exilado do seu próprio país.
Num irrecusável impulso de gratidão, interrompi por um
dia a minha presença no “Jubileu dos 500 anos” e, nessa sexta-feira, 19 de
Setembro, não me pude conter sem manifestar a essa magna assembleia reunida na Gulbenkian o mais
sentido reconhecimento ao Grande Frei
Bento, mensageiro sem medo, por ter vindo à Madeira falar a um Povo de Deus
numa humilde igreja, diabolizada pelo governo e pela diocese, bem como pela sua
eloquente prestação na imprensa e na RTP/M. E, perante a universalidade dos
conhecimentos colhidos, não hesitei em afirmar: ”Valeu a pena ter vindo: num só
dia aprendi mais que nos “500 anos da diocese do Funchal” (Voltarei a este assunto em próximas crónicas).
Não posso deixar de registar a vigorosa intervenção do
Prof.Dr. Miguel de Oliveira e Siva: No
painel “Cristo e a Igreja ainda
interessam à sociedade portuguesa?” respondeu com outras duas perguntas:”Será que Cristo ainda interessa à Igreja
em Portugal?” e “Será que Frei Bento
interessa à Igreja portuguesa?”.
Na liberdade plena do seu estar, do seu trajar e do
seu falar, Frei Bento dispensa homenagens. “Se
ainda fosse por 3000 anos, vá lá. Mas agora, só por 80, não mereço”,
agradeceu com o seu saudável e inseparável humor.
Para Frei Bento, aquela homenagem passou como o sol
pela vidraça: não a absorveu consigo próprio, antes deixou-a iluminar todos
aqueles que estavam no amplo anfiteatro e a todos os que lerem os dois últimos
livros aí lançados UM MUNDO QUE FALTA
FAZER e A INSSURREIÇÃO DE JESUS, textos que António Marujo e Julieta Dias
coligiram das crónicas dominicais de Frei Bento, desde há 22 anos no jornal PÚBLICO.
Deixo-vos com uma citação de Frei Bento, escrita em
28/01/2001: “Foi rebentado o Muro de Berlim. É preciso quebrar a redoma de vidro dos
privilegiados. Os gritos e as denúncias, as recomendações, as esmolas, os
remendos, as solidariedades e os perdões de dívida não bastam. São urgentes
propostas discutíveis que coloquem o centro na periferia. Cristo não nos deixou
uma teoria para realizar essa deslocação: na periferia estabeleceu a sua
tenda”.
Aqui reitero a minha homenagem, com as flores da
Madeira que, em 19 de Setembro, emocionado coloquei nas suas mãos.
Martins Jr.
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