Há coisas diante do nosso nariz que nem ao
Demo lembram. Como esta que vou contar,
quantas mais não haverá?! Basta estar
atento e descodificar-lhes a dimensão semântica.
E podia começar
assim; “ Era uma vez uma criança de cinco anos de idade”… Mas não. Foi mesmo,
um dia destes, uma menina de cinco anos de idade, filha única de um jovem
casal, na hora do recreio, foi interpelada por uma outra coleguinha:
---Quantos
irmãos tens?
--- Nenhum.
Sou eu sozinha.
---
Eu cá tenho mais um e gostamos muito de brincar juntos .
Aí, a
pequerrucha, corou, com um misto de mágoa e de espanto no olhar, mas passou
logo à “defesa da honra” (diríamos nós, os adultos) e prontamente respondeu:
---Sabes,
a minha mãe disse que há um sr. coelho que não deixa a cegonha trazer mais
meninos para a nossa casa.
A educadora de
infância que deu meia volta estratégica e com a mão no rosto tapava o riso perante uma laracha tão ingénua e tão directa..
Nem
de propósito! Nesse mesmo dia parece que o nosso Primeiro ficou com as orelhas
a chiar, pois o tal senhor que a mãe ensinou à menina andava a perorar
ardorosamente perante casais e educadores que é urgente fazer subir os índices
de natalidade no nosso país.
Os comentários
ficam para quem lê.
Sublinho
apenas títulos da imprensa de hoje: “Em Agosto de 2014 o número de crianças que receberam abono
desceu 44 859 em relação ao período
homólogo…O apoio a crianças e jovens da educação especial caiu em mais de 69%
entre Julho e Agosto deste ano… Mais de 400 000 estão sem subsídio de
desemprego” E o menu servido à mesa dos casais portugueses alonga-se de dia
para dia.
Ao nosso Primeiro já não lhe basta
mandar emigrar os jovens. Ainda lhe sobra tempo para enxotar as cegonhas.
Querem humor mais negro e arrasador , saído da voz branca de uma infante?
Há
que repensar o dramático discurso que se
oculta sob a resposta da menina de cinco anos. “Não há nada mais terrível do que
o olhar de uma criança”, estou a ver e a sentir um outro olhar, o de Antero de
Quental. Até mesmo os movimentos rendilhados dos que esbracejam na praça
pública para a salvar a vida intra-uterina da criança, oxalá tenham o mesmo afã
em segurar a vida extra-uterina desde que sai do seio da sua mãe.
Uma
palavra final, um cântico, uma epopeia para tantos e tantas que, profissional
ou voluntariamente, permanecem generosos e anónimos junto ao imenso berçário de
quantos esperam amor, energia e perseverança para enfrentar a vida.
7.Out.14
Martins Júnior
Os pais que ficam, os bebés grandes que partem, um coelho que não os quer cá!
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