Reconheço
e reconhecereis vós que não é de fácil digestão este menu que me propus
apresentar durante a Semana do Oitavário para a Unidade das Igrejas Cristãs,
entre 18 e 25 de Janeiro de cada ano. São muitas e escaldantes não só as
coincidências mas as conclusões deste acto cultural, qual seja o de investigar
a fonte, os afluentes, as aluviões que formaram o tão nobre --- assim devia
ser, mas não é --- fenómeno das religiões.
Passando
da segunda para a terceira coincidência, como anteontem referi, recordo o enunciado: as religiões, tais como as
conhecemos, mais não são que reféns e
suportes, para não dizer, bengalas do
poder e do capital. O barómetro religioso oficial movimenta-se no mesmo sistema
de vasos comunicantes do poder e do dinheiro.
Por
isso, estamos tão longe do horizonte de J:Cristo
É
por isso que todos os credos de notoriedade mundana têm sempre a segurá-los o
mesmo cordão umbilical: Foi o que demonstrei, evocando a chacina de Paris, na
redacção do Charlie Hebdo em 7 de Janeiro de 2015 e a carnificina de São
Bartolomeu em 24 de Agosto de 1572.
Sob
a bandeira patriótica de uma pseudo-divindade esconde-se um outro satânico
patriotismo: o do poder e do dinheiro.
Nesta semana da unidade é estação obrigatória avistar de perto uma das
derivas, talvez a mais determinativa no divisionismo das igrejas cristãs, ou
seja, o protestantismo, fruto directo do luteranismo. Porque sei que os meus
amigos e amigas conhecem ou desejam conhecer as fontes e os desenvolvimentos
deste dobrar do Cabo das Tormentas, apenas lanço à mesa as cartas de um jogo
labiríntico, nos seus métodos, e sujo, ao mesmo tempo, na sua leitura
religiosa.
Tudo
começou pela denúncia, por parte de um talentoso monge agostiniano, Lutero,
contra o comércio, leia-se venda, de
entidades sagradas, chamadas indulgências: quem mais dinheiro desse para a
construção da basílica monumental de Roma menos chicotadas de lume ou menos
dias de Purgatório sofreria no outro mundo.
Porque o Papa não quis receber nem ouvir Lutero sobre o assunto,
excomungou-o. Até aqui, nada de trágico,
senão a condenação e a exclusão do
monge. Mas --- agora começa a cauda da
serpente exterminadora --- ocorria um conflito insanável entre os principados e
ducados alemães contra o domínio de Roma. A nível de poder territorial e de
supremacia cultural, ao ponto de, a propósito das competências dos estudos
universitários, citar-se o histórico adágio:
doctor romanus, asinus germanus (“um doutor romano equivale a um burro germânico”). A luta férrea pelo
domínio dos príncipes e ducados contra o poder imperial conheceu episódios de
bradar aos céus e aos mares! Por mais esforços que fizesse o próprio Carlos V,
o que mais se conseguiu para estabelecer a paz foi a promulgação deste
normativo :Cujus regio ejus religio” (a
cada região, a sua religião), o qual ficou conhecido pela Paz de Augsbourg, em
1555. Estava instaurada a Religião de Estado: era o soberano que detinha toda a
jurisdição eclesiástica do seu
território, nomeava bispos e padres, confiscava os bens que antes pertenciam ao
Papado de Roma e quem não professasse este credo teria de emigrar. Não será
caso de espanto, até porque em Portugal, a história do episcopado entre 1498 e
1828 regista que era bispo quem o rei designava, restando apenas ao Papa o
“agrément” formal.
Apenas
como aperitivo, sublinho que se passou o mesmo em França, a partir de Meaux,
através de um grande intelectual, eminente cultor greco-romano, o humanista
Lefèbre d’Étaples (1455-1537) cujo sucesso muito ficou a dever-se à princesa Marguerite dÁngoulême, irmã de
Francisco I.
O
mesmo se verifica com o líder protestante Calvino que, passando por Genève,
conhece a poderosa princesa Renée de Ferrare, protectora das novas ideias,
estabelecendo-se por fim em Strasbourg, de onde difundiu largamente o
pensamento anti-romano, em cuja profissão de fé figurava o princípio sagrado de
que o “Estado é o Vigário de Cristo”, o que levou os analistas a considerar o
calvinismo como uma teocracia.
Em
conclusão --- e repito que não é fácil digerir e admitir esta híbrida e
contra-natura cumplicidade entre um verdadeiro culto religioso e o
exibicionismo, quantas vezes contorcionista, do poder e do capital.
Teremos
tempo, se tiverdes paciência e curiosidade científica, para separarmos o trigo
do joio.
19.Jan.2015
Martins Júnior
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