No turbilhão frenético de
notícias tão diversas e controversas que nos puxam nestes dias, desde a vitória
do Syrisa até a morte (mau presságio!) de Demis Roussos e do F-16 grego que se despenhou em Albacete, Espanha,
causando 10 mortos, torna-se difícil uma síntese que pacifique e harmonize o
nosso sistema neuro-vegetativo. Por mim, ficar-me-ei pela comemoração do 70º
aniversário da destruição positiva do inferno de Auschwitz e suas “sucursais”
europeias, as de ontem e as de hoje.
Quanto
aos de ontem, já todos sabemos da barbárie de que foi capaz um medíocre
sargento do exército alemão. Todavia, o que nos sobeja em conhecimento talvez
nos escasseie em aprofundamento e séria interiorização dos factos. Como foi possível
que a chamada civilização cristã e ocidental deixasse crescer um monstro
tentacular, de sete esporas e sete cabeças, sem um pingo de sensibilidade de
gente e capaz de cevar nos humanos aquilo que nem os animais selvagens seriam
capazes de o fazer?!
Devo
dizer que bastou-me ver a olho-nú uma dessas “sucursais” de Auschwitz, para
ficar com vergonha de pertencer à condição humana. Aconteceu em 1995, na
visita ao campo de extermínio de Natzweiler-Struthof,
a 50 Km de Estrasburgo. A planura verde
que circundava o perímetro das instalações fatais em nada ajudava a suavizar o
estremeção interior que percorria o rosto de quantos ali estávamos. Muito
sumariamente, nestas fotos de há 20 anos, ver os beliches de troncos
atravessados que serviam de cama aos condenados antes de entrarem para aquele
forno crematório, deixando fora, como tétricos testemunhos, os sapatos e as
roupas; contemplar em arrepio os enormes triângulos da forca fatídica onde
dependuravam os inocentes, enfim, mais abaixo o armazém das câmaras de gaz
onde agonizaram homens e mulheres ---
toda esta prisão em que voluntariamente entrámos como turistas fazia-nos
estalar este grito, feito de silêncio e raiva: “Tirem-me daqui”!
Sob a ampla designação de
“Aliados”, europeus e, sobretudo,
americanos e russos libertaram a Europa e o mundo do inferno nazi. No entanto,
os mesmos americanos libertadores da Europa foram os mesmos que em 6 de Agosto
do mesmo ano, 1945, descarregaram um "Boeing-29 Superfortress" sobre alvos humanos em Hiroshima e NagasaKi, mais tarde
o Vietnam, o Iraque, o fedor de Guantánamo… Foi o mesmo Exército Vermelho,
vencedor do nazismo, que substituiu os fornos crematórios de Auschwitz pelo
“inferno” gélido da Sibéria, onde secavam mirrados os corpos dos opositores ao
regime estalinista. Insuperável maldição: Parece que os humanos, fabricantes
de humanos, condenam-se, eles mesmos, ao
genocídio suicida! E se foi para isto que foi criado o mundo, mais valera nunca
ter sido povoado pela “raça” humana.
E não há forma de
estancar esta sangria congénita que se transmite com o sémen dos
procriadores, seja por armamento bélico,
seja por terrorismo financeiro dos países ricos sobre os mais pobres, dos offshores
predadores do sangue, suor e lágrimas dos explorados, seja do Norte contra o
Sul, a desvergonha de uma Alemanha que, não satisfeita com os 550.000 mortos
infligidos em território grego, continuam a querer matá-los com redobradas
ameaças político-económicas.
Enfim, exausto deste
masoquismo em que mergulho face à auto e anti-humanidade, concluo que a
barbárie não tem idade nem rosto nem cor. De quem dependerá um novo mundo? Dos
poderosos é que não, nem dos parlamentos formais. Sim, da força do povo
organizado, não apenas do povo votante mas do povo vigilante. Quando um país ou
uma região começam a vacilar quando censuram, dia por dia, mês por mês, os
erros dos que governam e estes vociferam: ”Estão ofendendo o país, estão contra
a região” , quando tal acontece, aí começa a repressão, a ditadura e, no
limite, a destruição total. É preciso não esquecer que o Todo-poderoso Fuhrer começou como um vulgar sargento da tropa,
abençoado pelo Papa Pio XII que mais tarde lhe enviou a seguinte mensagem: “Ao Ilustre Herr Adolf Hitler, Furher e
Chanceler do Reich alemão, queremos garantir-lhe que continuamos devotados ao
bem-estar espiritual do povo alemão que foi confiado à sua liderança”(…).
Já nos alertava o grande filósofo Tomás de Aquino que um pequeno desvio no
início transforma-se num monstruoso erro no fim.
Por isso , deixei ficar escrito pelo
meu próprio punho no Livro de Visitas de Natzweiler-Struthof este anseio que
agora transcrevo:
“Que je souhaite que des cendres de la haine humaine puisse refleurir défintivement
la joie de vivre”! (Quanto
desejo eu que das cinzas do ódio humano possa florescer definitivamente a
alegria de viver).
27.Jan.2015
Martins Júnior
Muito Bom
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