Alargando o conceito que anteontem enunciei --- racismos há muitos e de muitas cores --- aproveito hoje o ensejo da comemoração do baptismo de J:Cristo por João, o Baptista, no rio Jordão, para pôr sobre a mesa da nossa conversação este tema que é extensivo a todos os credos, inclusive àqueles que estão na ordem do dia, os assassinos de Paris.
Vou discorrer livremente em carris simplistas, pedindo desculpa, desde já, a quem quiser tomar outros comboios e outros destinos. Em primeiro lugar, o baptismo cristão, sobretudo o católico, ao longo dos séculos, com início em Santo Agostinho com o dogma do pecado original, cometeu um crime da mais desumana difamação contra uma criança recém-nascida, ao proclamar que o baptismo tinha por função primordial limpar e absolver o bebé daquela mancha fatal, o pecado original. Deviam ser processados em tribunal penal todos os papas, bispos e padres que ensinaram que uma inocente criança vinda ao mundo já trazia consigo o estigma de criminosa de uma metáfora da maçã de Adão e Eva. Felizmente, já emendaram a mão, acabando com esse sádico “escorrega”, a que chamavam Limbo. Em segundo lugar, não parece curial nem justo que os pais e os padrinhos inscrevam, sem o consentimento dos interessados, o filho ou a filha numa colectividade, chamada, no caso, Igreja Cristã ou Católica. E eu, que tenho baptizado, centenas, milhares de crianças, brancas e negras, aqui e em Moçambique, respectivamente, obrigo-me a registar tal compromisso, alertando embora os pais de que “não se sabe se mais tarde esta criança estará de acordo com a manifestação de vontade dos seus progenitores”. Em terceiro lugar, não esqueçamos que o nosso J:Cristo submeteu-se desnecessariamente ao baptismo quando tinha trinta anos de idade! Uma opção de tamanha grandeza terá de assumir-se, preferencialmente, com a plena assunção dos direitos e deveres inerentes a um tal estatuto.
Mas a maior definição do baptismo foi aquela que João, o Baptista, escreveu de viva voz: ”Eu baptizo-vos em água, mas virá um outro, que é maior do que eu, o Messias, esse baptizar-vos-á no Espírito”. Fica bem visto que todos os rituais deste sacramento ficam como que anulados, supérfluos, perante o Espírito que lhe deve presidir. Ser baptizado no Espírito significa que é esta convicção e este sopro interior que comandam a vida de quem foi baptizado. Pelo que, o baptismo é um projecto em construção contínua para toda a vida: é um renascimento, todos os dias actualizado, fertilizante e reprodutivo. E o que se vê mais é o baptismo de certidão narrativa, de cristãos de papel timbrado para as ocasiões de protocolo. O baptismo não o aceitamos gratuitamente: merecemo-lo, dia a dia, hora a hora, num repetido e quantas vezes denodado esforço para ser-se justo e autêntico. É o Espírito que o mantém vivo,
Finalmente e em conclusão, nada mais ridículo que ouvir-se dizer “sou baptizado, mas não praticante”. Em minha opinião, concluo ao contrário: “não é praticante, não é baptizado”, esfarrapou-o, mandou-o às urtigas. O que me faz impressiva sensação é o facto de, lendo o Evangelho, o nosso J:Cristo nunca ter feito nenhum baptizado desses, formais, litúrgicos. Não consta. O seu lema era viver “em Espírito e Verdade”. Foi este o argumento que levou o heróico líder hindu, Mahatma Gandhi, a afirmar: ” Adoro Cristo, mas odeio os cristãos”. O mesmo se há-de dizer desses fanáticos infiéis a Maomé, os quais, mesmo formados nas madrassas ou professando a shahada, não têm o blasfemo direito de chamar Alá para justificar horrendos crimes condenados pelo Corão.
Lembrando-me de Vinícius de Morais, peço-lhe licença para exclamar que um cristão baptizado é como um “Operário em construção”!
11.Jan-2015
Martins Júnior
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