Escrevo no meio das horas como podia escrever em cima da linha do equador que separa a roda dentada do globo e da vida. Entre o 2014 e o 2015 não há tracejado sequer, tudo é linha contínua sem termo. Do novo se fez o velho e do velho se faz o novo. Na felicidade oficial do ópio da meia noite, fica a atmosfera e ficam as euforias das doze passas naquele “dolce far niente” de quem acaba de aterrar no planeta lilás onde as sombras se transfiguram em luz e os farrapos da memória breve reincarnam em míticos cortinados dos nossos imaginários tapassóis abertos para o futuro. E do mais fundo dos figurantes emerge um jacto de fogo que escreve em volutas ébrias de beijos e abraços : “Agora sim, agora é que é, agora é outro o ar e outra a vida. Ano Novo, Vida Nova!”
Mas, ainda pairando no ar o eco das doze badaladas, começamos a despertar como numa manhã que segue à terça-feira de carnaval: “Afinal, é mais do mesmo, afinal é o chão que deixou de ser lilás para voltar ao breu da véspera, ao “trabalho” de desemprego, à casa devolvida ao banco, à vacina que o hospital nos manda comprar na farmácia, aos meios de informação que nos cortam a voz, à autoridade que sufoca, enfim, nem tracejado se viu, só a mesma linha contínua, prosaica, se não mesmo hostil que nos obriga a derrubar entulhos indesejáveis, para poder prosseguir viagem.
É isto que se alcança do miradouro da uma da manhã e ainda melhor se descobre quando o sol nascente definir os contornos da paisagem.
“Não perguntes a 2015 o que ele pode fazer por ti. Pergunta a ti mesmo o que podes fazer pelo 2015. Ofereço-te – diz o Ano Novo – ofereço-te 365 dias para viver, produzir e amar!”
Cito esta passagem do postal de Ano Novo distribuído no grande presépio da minha terra, Ribeira Seca, Machico. E faço-o na convicção de que nada muda se nós não nos mudamos. De que não haverá ano novo se nós não nos renovamos. De que tudo ficará na mesma se na mesma inércia da fantasia nos deixarmos ficar mastigando passas doces que bem depressa tornar-se-ão amargas.
Exercitada a auto-metamorfose interior, é preciso intervir no “corpus” colectivo. Decididamente. Aqui na fatia de terra que nos coube viver. Nem vou mais longe. A nível político, algo de novo está a surgir. Comentando Nuno Rogeiro que afirmou “estar agora a Madeira-PSD/M entregue em boas mãos, direi que estaria bem entregue nas mãos de qualquer um dos candidatos que obtiveram, no mínimo, um dígito dos votos, tal a degenerescência a que chegou a governação regional sob o império de quem politicamente se assumiu como um criminoso público quando teve o despudor de vociferar em noite de eleições: “Para Machico, nem um tostão”. Paz à sua alma, guerra à sua obra: é o que está escrito no epitáfio dos malfeitores.
A nível de uma segunda fonte poluidora do micro-cosmos em que vivemos, é importante que a Igreja deixe de ser regional para afirmar-se ecuménica, promotora da inclusão, “Porta aberta da Casa do Pai” (Papa Francisco, Evangelii gaudium). Para tanto, tenha um líder minimamente culto e vigilante , fiel à sua raiz etimológica: na literatura greco-romana, “episcopus” significa o que está atento e “olha em redor”; que não se deixe enfeitiçar com o espectáculo mundano onde não faltam nunca os protocolares penduras e pendões; nem se iluda com a fartura indigesta de congressos seculares. Lembrando Camões acerca do frágil D.Fernando, (“Um fraco rei faz fraca a forte gente”) direi que um bispo inculto faz inculto um sábio povo.
Num terceiro posto avançado, nunca haverá Ano Novo quando uma comunicação social substitui o lápis azul da censura salazarista por um sofisticado detonador interno que esconde, trunca e destrói a verdade informativa e mantém sistematicamente um olhar estrábico contra quem se lhe opõe, pessoal ou socialmente. Tenho a liberdade e os argumentos suficientes para afirmar que se não fosse o incestuoso Jornal da Diocese-Governo, havia de ver-se quem é o “soi disant” jornal independente local. Basta de ilusionismo e piruetas de circo! E como é possível esperar um 2015 de transparência comunicacional quando o jornalista de serviço faz a reportagem do acontecimento, entrevista os promotores, tem o trabalho de montar a peça…e, lá dentro, o “inteligente” director televisivo prende tudo na sua gaveta de aprendiz de ditador feliz ?!
Nada é o fim e tudo é o começo.
Há quem entre no Ano Novo para torná-lo ano velho, acomodado, quieto, parasitário. E há, pelo contrário, quem tenha vivido o ano velho com o espírito novo de militância interventiva nos mais diversos tablados da vida, entre os quais os que, por hoje, acabei de referenciar. Quero alistar-me neste segundo pelotão no combate por um verdadeiro NOVO ANO!
Aguardo pelo 31 de Dezembro de 2015 para julgar se o cumpri.
31Dez.2014/1.Jan.2015
Martins Júnior
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