Na noite em que por montes e vales, cidades e aldeias ecoam as reminiscências de outras eras, lembrando que “é no dia cinco para o dia seis que se cantam os reis”, e após ter também participado na tradição levada a cabo pela Junta de Freguesia no centro de Machico, tomo o rumo do viajeiro que procura mais longe as raízes desta comemoração. E porque não é noite de profundas cogitações, contento-me com a conclusão que me parece translúcida, de dentro das profecias bíblicas, com Isaías na vanguarda: os judeus esperavam ansiosamente pela sua hora libertadora, após os quarenta anos de cativeiro no Egipto e setenta na Babilónia, alimentando um sonho de vitória, misturado de incontida revolta contra os seus sucessivos opressores. “Um dia chegará em que o Deus dos Exércitos porá os inimigos, todos os reis da terra, de Társis, da Arábia, de Sabá, como escabelo debaixo dos pés dos hebreus, pagando tributo a um “povo rebelde, mas povo eleito de Deus”.
E as profecias teriam de cumprir-se, com tudo o que contêm de mito e realidade. Só que, também aqui, a realidade ultrapassou a ficção: vieram os Magos, assessores letrados da corte real, mas não como reféns derrotados ou contribuintes forçados do Messias Omnipotente. Saíram frustradas as projecções do orgulho judaico
E é a grande, incomensurável revelação deste episódio chamado epifania: o Libertador, o Desejado, afinal, não veio para esmagar, excluir ou vingar insucessos de outrora. Precisamente, o contrário: veio abraçar ao peito, incluir, pacificar todos os credos e etnias do mundo conhecido: os brancos, os negros, os amarelos. Pelo que, na diversidade territorial e racial dos três Magos, vejo a síntese global, a unidade necessária, enfim, o desanuviamento anti-guerra fria, o desarmamento e a abolição de fronteiras.
Leio na idiossincrasia dos Magos os embaixadores de cada continente identificados com o valor mais alto que o poder e o dinheiro, a dignidade humana, representada, tangível e amada no corpo frágil de uma criança, ela mesma incarnação plena da realização planetária do Homem em toda a sua História. Ali (admitam-me a hipérbole) ali foi inaugurada a almejada, mas ainda inatingida Assembleia das Nações Unidas, presidida pela intrínseca omnipotência da justiça e da paz.
Nem de propósito: O Papa Francisco acaba de prestar a mais bela vassalagem ao “Dia de Reis” ao nomear trinta e cinco conselheiros, empoladamente alcunhados de cardeais (uma nomenclatura alheia ao corpo e ao espírito evangélicos) e foi recrutá-los às periferias mais diferenciadas do mundo.
Hoje, como em Dia de Natal, é dia de ser bom e abraçar o mapa-mundi, que começa à nossa beira.
Apraz-me citar a letra de uma canção de um dos nossos CD’s, editada em 2004:
“Em cada mar, em cada continente
À minha espera há sempre um coração
Por isso eu canto e digo a toda a gente
Em cada homem vejo o meu irmão”
5.Jan.2015
Martins Júnior
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