Manda a sensatez que não se reaja a
quente perante acontecimentos do dia ou da véspera, sob pena de nada se dizer
ou, que é o mesmo, cair nos banais lugares comuns. Dado que, porém, no último
dia ímpar, me referi aos racismos de muitas cores, peço licença aos meus inter-leitores
amigos para esclarecer o Post-Scriptum
aí
formulado, onde dizia que um sopro da nossa boca pode desencadear
tempestades impossíveis de amarrar, depois.
Refiro-me
ao sucedido nesse tristemente ímpar, 7
de Janeiro, e a que o jornal Le Monde de hoje classifica de “le 11-Septembre
français”. Ele foi e é sempre um monstro de mil cabeças que, de tão tenebroso.,
nem sabemos por onde pegar.
Certo
é que todos os opinadores do mundo civilizado sintetizam-no genericamente em
duas direcções: o ataque à liberdade de expressão e o duelo sangrento
inter-religioso. Mas seria ingenuamente redutor cingirmo-nos só a isto.
Começando pelo segundo detonador enunciado --- o duelo religioso --- a
argumentação não me convence. Concedendo que nada há de melhor e,
paradoxalmente, mais pernicioso que a religião, tenho para mim que a religião
nunca navega sozinha ao leme. Pelo contrário: ela faz parte do lastro
indispensável à nau de outras bússolas e de outros valores que mais alto se
alevantam.
Assim
foi nos anos quinhentos das duas
bandeiras dos Descobrimentos, a Fé e o Império, quando se sabe que na alta gávea
das caravelas era o alargamento do território, o comércio das especiarias e do
subsolo orientais que conduziam a estrela dos mareantes. A nossa cristianíssima
civilização europeia é tecida de teias imperialistas, lutas fratricidas,
arranjos casamenteiros para anexação de terras, e tudo isto abençoado umas
vezes, outras excomungado (conforme as alianças) pela Santa Sé Vaticana, cujos
resquícios este Pontífice corajosamente tenta erradicar. Leiamos, entre
outros, “A Santa Aliança” de Eric
Frattini.
Noutras
paragens, atavicamente marcadas pela agressividade tribal, que, herdeiras do
judaísmo e do cristianismo, se passaram para o Islão, não é diversa a geometria de interesses, com o petróleo à
cabeça: olhemos a carnificina entre irmãos da mesma fé muçulmana, sunitas,
xiitas, Iraque, Afeganistão, Síria, ao ponto de a mesma fé unida num pólo,
tornar-se rival num outro.
E
o maior erro da chamada civilização democrática foi o aventurar-se a resolver,
com categorias ideológicas e estratégias bélicas exclusivas, problemas e conflitos de contornos
diametralmente opostos, esquecendo que (foi o que aconteceu na nossa “de má
memória” guerra colonial) quem está em sua casa sabe os caminhos e veredas por
onde caçar o invasor. Criminoso o ataque de Bush ao Iraque, com a conivência de
Portugal, cujas sequelas estão a sangrar as populações indefesas que não
passaram procuração aos decisores. É preciso não esquecer que o mesmo Bin Laden
que fustigou os americanos foi o mesmo que os americanos tinham já armado
contra o Afeganistão e a Rússia. Um dos pensamentos mais sensatos sobre esta
melindrosa questão foi aquela que ouvi do Patriarca José Policarpo, de Lisboa: “É tão perigoso
entrar nesses conflitos como meter-se num vespeiro ou num formigueiro”.
Ficar-me-ei
hoje por aqui, aguardando ter ficado claro que aquilo que se classifica como
exclusiva justificação dos sucessivos crimes praticados na nossa casa europeia,
ou seja, o fanatismo religioso, não passa de um falso biombo para esconder
hegemónicos interesses económicos, que os povos colonizados já conhecem desde a
nascença.
Dizem
as notícias que acabaram mortos os dois irmãos assassinos. Oxalá que tudo isto
seja mais uma ténue, mas trágica, tentativa para içar a bandeira da paz e da
liberdade de expressão. Oxalá. É isso que o Alá de todas as religiões mais
deseja. Mas é preciso que os homens o queiram!
9.Jan.2015
Martins Júnior
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