sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

“LE 11-SEPTEMBRE FRANÇAIS”

Manda a sensatez que não se reaja a quente perante acontecimentos do dia ou da véspera, sob pena de nada se dizer ou, que é o mesmo, cair nos banais lugares comuns. Dado que, porém, no último dia ímpar, me referi aos racismos de muitas cores, peço licença aos meus inter-leitores amigos  para esclarecer  o Post-Scriptum  aí  formulado, onde dizia que um sopro da nossa boca pode desencadear tempestades impossíveis de amarrar, depois.
         Refiro-me ao sucedido  nesse tristemente ímpar, 7 de Janeiro, e a que o jornal  Le Monde  de hoje classifica de “le 11-Septembre français”. Ele foi e é sempre um monstro de mil cabeças que, de tão tenebroso., nem sabemos por onde pegar.
         Certo é que todos os opinadores do mundo civilizado sintetizam-no genericamente em duas direcções: o ataque à liberdade de expressão e o duelo sangrento inter-religioso. Mas seria ingenuamente redutor cingirmo-nos só a isto. Começando pelo segundo detonador enunciado --- o duelo religioso --- a argumentação não me convence. Concedendo que nada há de melhor e, paradoxalmente, mais pernicioso que a religião, tenho para mim que a religião nunca navega sozinha ao leme. Pelo contrário: ela faz parte do lastro indispensável à nau de outras bússolas e de outros valores que mais alto se alevantam.
         Assim foi nos anos quinhentos  das duas bandeiras dos Descobrimentos, a  Fé  e o Império, quando se sabe que na alta gávea das caravelas era o alargamento do território, o comércio das especiarias e do subsolo orientais que conduziam a estrela dos mareantes. A nossa cristianíssima civilização europeia é tecida de teias imperialistas, lutas fratricidas, arranjos casamenteiros para anexação de terras, e tudo isto abençoado umas vezes, outras excomungado (conforme as alianças) pela Santa Sé Vaticana, cujos resquícios este Pontífice corajosamente tenta erradicar. Leiamos, entre outros,   “A Santa Aliança” de Eric Frattini.
         Noutras paragens, atavicamente marcadas pela agressividade tribal, que, herdeiras do judaísmo e do cristianismo, se passaram para o Islão, não é diversa  a geometria de interesses, com o petróleo à cabeça: olhemos a carnificina entre irmãos da mesma fé muçulmana, sunitas, xiitas, Iraque, Afeganistão, Síria, ao ponto de a mesma fé unida num pólo, tornar-se rival num outro.
         E o maior erro da chamada civilização democrática foi o aventurar-se a resolver, com categorias ideológicas e estratégias bélicas exclusivas,  problemas e conflitos de contornos diametralmente opostos, esquecendo que (foi o que aconteceu na nossa “de má memória” guerra colonial) quem está em sua casa sabe os caminhos e veredas por onde caçar o invasor. Criminoso o ataque de Bush ao Iraque, com a conivência de Portugal, cujas sequelas estão a sangrar as populações indefesas que não passaram procuração aos decisores. É preciso não esquecer que o mesmo Bin Laden que fustigou os americanos foi o mesmo que os americanos tinham já armado contra o Afeganistão e a Rússia. Um dos pensamentos mais sensatos sobre esta melindrosa questão foi aquela que ouvi do Patriarca  José Policarpo, de Lisboa: “É tão perigoso entrar nesses conflitos como meter-se num vespeiro ou num formigueiro”.
         Ficar-me-ei hoje por aqui, aguardando ter ficado claro que aquilo que se classifica como exclusiva justificação dos sucessivos crimes praticados na nossa casa europeia, ou seja, o fanatismo religioso, não passa de um falso biombo para esconder hegemónicos interesses económicos, que os povos colonizados já conhecem desde a nascença.
         Dizem as notícias que acabaram mortos os dois irmãos assassinos. Oxalá que tudo isto seja mais uma ténue, mas trágica, tentativa para içar a bandeira da paz e da liberdade de expressão. Oxalá. É isso que o Alá de todas as religiões mais deseja. Mas é preciso que os homens o queiram!

 9.Jan.2015

Martins Júnior     

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