Cada
dia é sempre um dia ímpar. Não apenas no cômputo intercalar do calendário, mas em todos, mesmo que se
apresentem como dias pares. Hoje é um dia duplamente Ímpar.
Explico-me:
para quem se senta comigo, à noite, nesta sobremesa de pensamento partilhado, há-de ter
fixado que, na última ementa aqui reproduzida, referi-me às tremendas lavas do
vulcão onde --- a escolha é nossa --- morreremos ou renasceremos juntos.
Mais: perpassa no meu subconsciente o luminoso sobressalto de que, do seio
convulsivo em que todos estamos a gerar-nos e a regenerar-nos dia-a-dia, hora-a-hora, há-de surgir o parto de um outro e desejado mundo onde se mereça viver. Pressinto que (já não será no meu tempo
privado) que os relâmpagos e as trovoadas que nos abalam prenunciam um tempo global em que, na
literatura bíblica, “O lobo dormirá junto ao cordeiro, a criança meterá a mão
no covil da serpente e os homens não mais aprenderão a arte da guerra,
transformando as espadas em relhas de arado e em foices de ceifar os campos de
trigais”.
“I have a dream”!
Recito
e volto a recitar esse sonho-poema neste
dia verdadeiramente ímpar. Porque faz hoje anos que nasceu o grande,
imorredoiro guerrilheiro da paz e do amor, Martin Luther King, em 15 de Janeiro de 1929.
Em vez de massacrar-me com a tragédia de Paris
ou de denunciar a muita hipocrisia de magnatas do poder que traziam nas mãos o protocolar cartaz “Je suis Charlie”
e no coração a Kalasnikov dos Houache,
em vez disso prefiro o sonho de Luther King que lutou com “as armas da Luz”
pela igualdade de direitos dos negros americanos, com sucessos, traições e
prisões, até alcançar aquela meta histórica de juntar 200.000 pessoas de todos
os credos e etnias numa marcha pacífica
em Washington, 28 de Agosto de 1963, em redor do monumento de Lincoln, abrindo-se
aí o embrião da nova Lei dos Direitos
Civis, promulgada por Lyndon Johnson em 1964, garantindo, no ano seguinte, o
direito de voto a todos os cidadãos negros. Ganhou merecidamente, em 1965, o
Prémio Nobel da Paz, mas só o saboreou durante três anos. Faltava-lhe “pagar” a
última factura de uma luta porfiada, mas vitoriosa: o assassinato em 1968.
Chamo-lhe
guerrilheiro, porque, assim falava, “Quem aceita o mal sem protestar coopera
com ele… O que me preocupa não é o grito dos corruptos, dos violentos, dos
desonestos, dos sem carácter, dos sem
ética, o que me preocupa é o silêncio dos bons”. E chamo-lhe o herói da paz e
do amor, porque, assim proclamou, “o
ódio não pode expulsar o ódio, só o amor o pode fazer”.
E
aquela missão impossível --- “sonho o
dia, em que os filhos dos negros hão-de sentar-se ao lado do senadores brancos
americanos” --- veio a cumprir-se plenamente em 2008 e 2012 com a eleição de
Barack Obama, 44º Presidente dos EUA, ele também, Obama, Nobel da Paz, galardão pré-concebido e depois
corporizado na abolição do bloqueio cinquentenário entre Cuba e o Estado
Americano. Quem diria, mesmo em vida do próprio Fidel de Castro?!
A
História não é mais que uma conquista de pequenos passos até alcançar a Terra
Prometida… removida e reconstruída por cada um de nós, inquilinos anónimos para
os vindouros beneficiários dos nossos
esforços, aqui e agora.
Por
isso, há-de chegar a hora, o Dia Ímpar em que serão os próprios muçulmanos a
descobrir e tornar vivo o sonho de Maomé: “Levar a alegria nem que seja a um só coração
vale mais que construir mil altares”, mil mesquitas, mil sinagogas, mil
catedrais, mil basílicas, acrescento eu.
15.Jan.2015
Martins
Júnior
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