Na
“boa Noite” de hoje, retomo e esclareço o objectivo que formulei no final do
encontro anterior: “separar o trigo do joio”. Refiro-me com esta designação a
toda a religião-instituição ou, melhor, a todas as religiões-instituições. Agrada-me
navegar no tempo, sobretudo nesta altura, a única no ano inteiro, entre 18 e 25
de Janeiro, em que nos é proposto um exame e nos toca um convite, sob o titulo genérico
“Oitavário para a unidade da Igrejas Cristãs”. Nesta viagem há uma constatação cíclica
no oceano da história: São os homens que fazem e desfazem as religiões, são os
mais hábeis e poderosos que capturam, torcem, distorcem e contorcem as crenças
inatas no coração humano para transformá-las em muralhas, tronos e até
masmorras de tortura.
De
entre as múltiplas variantes da crença cristã, descrevo hoje uma daquelas que
melhor atestam o enunciado: a Igreja
Ortodoxa, praticada por cerca de 250 milhões de fiéis, estendida pela Grécia,
Arménia, Síria, Jordânia, Jerusalém, Grécia, Rússia e restante Europa de Leste.
Tem-se na conta de única e legítima herdeira da tradição cristã,
autoproclamando-se, por isso, igreja ortodoxa, orthos, a justa, certa e verdadeira. Como foi possível que a “Igreja
indivisa” --- desde Roma a Bizâncio e a Jerusalém --- estourasse tão drasticamente
e se guerreasse até à exaustão?
E
aqui entra a mão do homem, do mais poderoso e mais hábil. O Imperador
Constantino Magno, que concedeu a paz aos cristãos no ano de 313, enquanto
manteve em Roma a sede imperial,
realizou o ideal da “Igreja indivisa”. Mais tarde, porém, mercê do
enfraquecimento político de Roma, mudou a sede imperial para Bizâncio, que
passou a designar-se por Constantinopla, a cidade de Constantino. E aqui começaram as dissensões: umas de ordem
cultural e geográfica (Roma latina, Constantinopla helenista), outras de índole
teológica e, tinha de ser, as de supremacia política. Nesta tríplice
conjuntura, deram-se as mãos os corifeus religiosos e o poder imperial, este o
mais interessado na hegemonia do Oriente contra o Ocidente. Instaurou-se o “princípio
da acomodação”, que preceituava a
adaptação eclesiástica à organização política do Império. Constantinopla,
capital do Império, ditava a lei e a religião, em detrimento de Roma, segundo
F.Dvornik:
“O helenismo cristão via no
Imperador o representante de Deus na terra, um vice-gerente de Cristo, que, por
isso, tinha não só o direito como também o dever de vigiar a Igreja, defender a
Fé Ortodoxa e conduzir os seus súbditos a Deus, assistindo-lhe ainda a
jurisdição para convocar e presidir ao Concílio”.
Comentários,
para quê?... A Igreja, cúmplice e
empregada subserviente do Poder Político! E a isto chamamos Religião?!
Mas
como as vicissitudes do poder passam de mão em mão, de cidade em cidade,
conforme a proporção das forças nos (ridiculamente) chamados “teatros de guerra”,
sobrevieram as invasões --- dos povos bárbaros sobre Roma (séc.V), a dos
muçulmanos sobre grande parte do Oriente (séc.VII) e o saque de Constantinopla
pelos cristãos venezianos, por ocasião da 4ª Cruzada, patrocinada pelo Papa
Inocêncio III --- até que o Imperador Constantino IX Monomakos, após a excomunhão do patriarca
Miguel Cerulário , entrega as insígnias
do Império ao Príncipe Vladimir de Kiev. Inaudita trama neste nó de víboras
(parafraseando François Mauriac): a Igreja, dita de Cristo, passou da “Primeira
Roma”, em Itália, para a “Segunda Roma” em Bizâncio ou Constantinopla e,
finalmente, para a “Terceira Roma” em Moscou, na Rússia!!!
Cena
verdadeiramente fantasmagórica foi aquela, ocorrida nesse ano definitivo de
1054, em que o cardeal Humberto, legado de Roma, foi depositar no altar da basílica
de Haghios Sophia (Santa Sofia ou Santa Sabedoria) o decreto papal de excomunhão
do citado Patriarca Miguel Cerulário, tendo este, em resposta, queimado publicamente
o documento condenatório e atirando a mesma excomunhão sobre o Papa de Roma!!!
Eis
os jogos políticos a que os homens da Igreja se sujeitaram, responsáveis pela
separação de 250 milhões de crentes em J:Cristo!
Sirva
a presente síntese para separarmos, mais uma vez, “o trigo do joio”. De ontem e
de hoje. De fora e de dentro da nossa casa!
Por outras palavras palavras, separar a Religião das religiões.
21.Jan.2015
Martins Júnior
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