(Mural alusivo ao 50º aniversário da música "Os Vampiros", pintado por António Alves na Ribeira Seca)
Acabo de ligar para a Associação José Afonso, São Bento, frente à
Assembleia da República. Oiço as vozes dos muitos amigos e amigas que ecoam
Zeca Afonso naquela sala onde os arcos ancestrais abraçam quem lá entra.
Abraçou-nos também a nós, gente de Machico, da Ribeira Seca, quando lá fomos
lançar o CD e Cancioneiro “A IGREJA É DO POVO – O POVO É DE DEUS”, em Dezembro
passado. Ao “irmão-sósia” do Zeca e responsável pela
AJA --- Francisco Fanhais --- entreguei a saudação dos amigos da Madeira que lançaram hoje as
bases de uma delegação da AJA nesta ilha, onde cantou em 1976, agarrado à
estátua de Tristão Vaz Teixeira. Do resto que se passou --- a
invasão dos seis unimog’s de tropa sobre a centro da cidade, por ordem de
Carlos Azeredo; o apagão de toda a
iluminação pública; as bastonadas em
cima das centenas de pessoas que começaram a fugir, às escuras, ruas acima, a
bomba de 12 Kg de trotil na estrada do Seixo por onde Zeca Afonso, Otelo e seus
acompanhantes na campanha eleitoral – cenas mais dramáticas que no tempo do
fascismo, delas apenas deixo o enunciado. Contá-las-ei um dia.
Hoje é dia de falar com o Zeca. Ouvi-lo é falar com ele. Ele que fez da
canção uma arma pacífica, ele que cantou
para agir colectivamente. E deixou rasto. Foi com galvanizadora emoção que
escutei, nesta madrugada dos Óscares, (embora num cenário diverso) a mensagem libertadora de Zeca Afonso na voz
de dois vencedores: o mexicano Alejandro
Gonsález Iñárritu a reclamar contra o governo que marginaliza os desafortunados do seu país e a anglo-americana
Julianne Moore que dedicou o troféu à luta pela dignidade e igualdade de
direitos da Mulher. Assinalável!
Peço licença ao “Grande Comandante” Zeca Afonso para receber este preito
de amizade e apelo comunitário:
Que milenares raízes
Cruzaram as artérias do
teu corpo astral?
E que multiformes matizes
Cobriram tuas asas de
águia real?
Que poderoso íman
trazias
No peito
Para atrair e te ficar sujeito
O infinito universo
Que transformaste em
som e festa
Em grito de fogo
Na alma de cada verso?!
Quem veio das salinas
Trouxe o mistério dos
oceanos
Bebeu o transcendente
mais fundo
Das amarguras marinas
Náufrago de berço
Atirado á Meia-Praia
Fez-se menino d’ouro
Abraçou Maria-Faia
E abriu o sol nascente
Aos putos do Bairro
Negro.
Depois cantou, cantou
O murmúrio das ribeiras
Das formigas, das
toupeiras
Milho verde, milho
verde
Do Alentejo as
ceifeiras
Catarina lá do monte
Sangue novo do futuro
Adeus ó serra da Lapa
Maduro, Maio Maduro
Foi andarilho e soldado
Juntou-se ao homem da
mata
Angola e Xipamanine
Rios de ouro e de prata
o pão negro dos
escravos
E o champanhe dos
vampiros!
Subiu ao céu dos arcanjos
Ouviu o coro dos anjos
Senhora do Almurtão
De cigano lhe chamavam
Mas teve o diabo na
mão!
Vem de novo!
Agora o que faz falta
É ter o Zeca na malta
Na malta do nosso povo.
O mundo não é maior
Nem o planeta mais belo
Do que tu, alto castelo
dos sonhos que nos
deixaste
Na Grândola, Vila
Morena
Do que tu, mastro
cimeiro
Navegando ondas mil
Neste garboso veleiro
Machico Terra de Abril
23 Fev. 2015
Martins Júnior
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