segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

23 de Fevereiro de 1987 - A MORTE QUE SE TORNOU VIDA!

(Mural alusivo ao 50º aniversário da música "Os Vampiros", pintado por António Alves na Ribeira Seca)

Acabo de ligar para a Associação José Afonso, São Bento, frente à Assembleia da República. Oiço as vozes dos muitos amigos e amigas que ecoam Zeca Afonso naquela sala onde os arcos ancestrais abraçam quem lá entra. Abraçou-nos também a nós, gente de Machico, da Ribeira Seca, quando lá fomos lançar o CD e Cancioneiro “A IGREJA É DO POVO – O POVO É DE DEUS”, em Dezembro passado. Ao “irmão-sósia” do Zeca e responsável  pela  AJA  --- Francisco Fanhais  ---  entreguei a saudação  dos amigos da Madeira que lançaram hoje as bases de uma delegação da AJA nesta ilha, onde cantou em 1976, agarrado à estátua de Tristão Vaz Teixeira. Do resto que se passou  ---  a invasão dos seis unimog’s de tropa sobre a centro da cidade, por ordem de Carlos Azeredo;  o apagão de toda a iluminação pública;  as bastonadas em cima das centenas de pessoas que começaram a fugir, às escuras, ruas acima, a bomba de 12 Kg de trotil na estrada do Seixo por onde Zeca Afonso, Otelo e seus acompanhantes na campanha eleitoral – cenas mais dramáticas que no tempo do fascismo, delas apenas deixo o enunciado. Contá-las-ei um dia.
Hoje é dia de falar com o Zeca. Ouvi-lo é falar com ele. Ele que fez da canção uma arma pacífica, ele que  cantou para agir colectivamente. E deixou rasto. Foi com galvanizadora emoção que escutei, nesta madrugada dos Óscares, (embora num cenário diverso)  a mensagem libertadora de Zeca Afonso na voz de dois vencedores:  o mexicano Alejandro Gonsález Iñárritu  a  reclamar contra o governo que marginaliza  os desafortunados do seu país e a anglo-americana Julianne Moore que dedicou o troféu à luta pela dignidade e igualdade de direitos da Mulher. Assinalável!
Peço licença ao “Grande Comandante” Zeca Afonso para receber este preito de amizade e apelo comunitário:


Que milenares raízes
Cruzaram as artérias do teu corpo astral?
E que multiformes matizes
Cobriram tuas asas de águia real?

Que poderoso íman trazias
No  peito
Para atrair e  te  ficar sujeito
O infinito universo
Que transformaste em som e festa
Em grito de fogo
Na alma de cada verso?!

Quem veio das salinas
Trouxe o mistério dos oceanos
Bebeu o transcendente mais fundo
Das amarguras marinas

Náufrago de berço
Atirado á Meia-Praia
Fez-se menino d’ouro
Abraçou Maria-Faia
E abriu o sol nascente
Aos putos do Bairro Negro.
Depois cantou, cantou
O murmúrio das ribeiras
Das formigas, das toupeiras
Milho verde, milho verde
Do Alentejo as ceifeiras 
Catarina lá do monte
Sangue novo do futuro
Adeus ó serra da Lapa
Maduro, Maio Maduro

Foi andarilho e soldado
Juntou-se ao homem da mata
Angola e Xipamanine
Rios de ouro e de prata
o pão negro dos escravos
E o champanhe dos vampiros!

Subiu ao céu dos arcanjos
Ouviu o coro dos anjos
Senhora do Almurtão
De cigano lhe  chamavam
Mas teve o diabo na mão!

Vem de novo!
Agora o que faz falta
É ter o Zeca na malta
Na malta do nosso povo.

O mundo não é maior
 Nem o planeta mais belo
Do que tu,  alto castelo
dos sonhos que nos deixaste
Na Grândola, Vila Morena
Do que tu, mastro cimeiro
Navegando ondas mil
Neste garboso veleiro
Machico Terra de Abril

23 Fev. 2015

Martins Júnior

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