Sexta-feira era o dia aziago do nosso vale, da pobre elha cega que
aí vivia sua triste vida de dores, remorsos e desconfortos…Era na sexta-feira
que o frade, o demónio vivo daquela mulher de angústias lhe aparecia, tremendo
e espantoso”…
Nesta página das “Viagens na minha terra”, história e
romance de um primor inegualável, Almeida Garrett remete-nos para grande parte
da sua obra, povoada de lendas, fadas e duendes, chamado o reino das superstições. E
trago-o hoje à nossa mesa por dois motivos:
Primeiro, porque
anteontem penetrámos no maravilhoso mundo sempre novo das ciências: a ciência
cheira sempre bem e a ignorância tresanda ao ranço da mais grotesca cegueira.
Não é por acaso que Almeida Garrett, tal como Alexandre Herculano, obedecendo aos códigos do romantismo,
vasculha as populares lendas medievais e
incarna a superstição numa mulher “velha e cega”.
Segundo: estamos
hoje numa dessas “furnas do cavalão” ou furnas do demo, como é
tradição dizer-se em Machico: hoje é sexta-feira e, ainda por cima, enxertada,
acoplada com o número aziago do calendário, o dia 13.
Julgo que os mais jovens
abandonaram por completo esta hidra de duas cabeças que, para seus pais e avós, faziam tremer e alterar os seus hábitos. Até
em ambientes mais envernizados, os hotéis, numeravam os quartos, passando do nº 12 para o nº 14,
intercalando-os com o nº 12-A, para evitar o “espírito mau” do nº 13.
Mas quem percorre os atalhos e veredas que atravessam a psique
destes tempos, ditos modernos, acaba por descobrir cobras e lagartos imaginários
no subconsciente latente activo de muita gente. Pululam por toda a parte, como cogumelos roxos, os bruxos feirantes, estimuladores de traumas, armados com aquele
poder que lhe conferem os temores e a
ignorância dos seus clientes.
E é em climas religiosos
que prolifera o húmus mais fértil e pernicioso da superstição. Em todas as
religiões: desde os chamados santos óleos, as águas bentas (toda a água pura
está benta, abençoada de nascença) as candeias nas mãos dos moribundos, as
cruzinhas compradas em determinados santuários etc.,etc.. tudo rituais da
Igreja Católica medieval que ainda vegetam nos subterrâneos de muitos neurónios.
Cenas do mais rasca fetichismo já eu contemplei em templos de outras religiões,
a do Reino de Deus, por ex., fotocópias europeias dos batuques africanos comandados pelo feiticeiro da tribo, de
que eu próprio fui testemunha ocular em
sanzalas (tembas) moçambicanas. Já Camôes alertava contra “a superstição falsa e profana/ da religiosa água Maometana”.
Mas há ainda uma outra
barragem pantanosa, interessada em
derramar o mito, a superstição populista entre o povo fraco, porque ignorante:
a política. E quando se juntam, as duas --- religião e política --- então temos
o incesto perfeito. Nem de propósito: hoje a Igreja celebra a festa dedicada às
“Cinco Chagas de Jesus”. O porquê: a aparição do Crucificado a D.Afonso
Henriques, na noite que antecedeu a batalha de Ourique que terminou com a
derrota dos mouros. Assim nos ensinaram na escola e na catequese, ao ponto de
ainda hoje figurarem os cinco pontinhos em cada escudo da bandeira portuguesa.
A mesma lenda já tinha barbas, desde o ano 313 quando o Imperador Constantino
Magno disse ter visto no céu uma cruz, sob a qual estava escrito:”In hoc signo vinces” (neste sinal tu vencerás).
Sinais, mitos e mistérios, aparições, coisas estranhas, tudo serve aos dois
poderes para trazer o povo amarrado à corda bamba dos seus interesses.
A
superstição é o medo que não conseguimos vencer e pouco fazemos por isso.
Conheci, porém, na minha juventude, um amigo que tinha marcado o casamento para
a última semana de Julho. Ele era um jovem eufórico, inteligente, desportista.
Para afrontar a tripla superstição (
Agosto era também mau agoiro) esperou pela data “ideal” e dizia entre
gargalhadas aos amigos: “Vou-me casar em Agosto… numa sexta feira… dia 13”. E fê-lo. E a felicidade do casal, mais que as
gargalhadas francas do anúncio, foi o estendal das suas vidas.
Dias 13 haverá ainda mais dois neste ano,
Março e Novembro. Que estes meus devaneios, com alicerce no firme, sirvam para
afrontarmos não apenas o dia 13, mas todos as horas do nosso percurso
terrestre.
A terminar: propositadamente escrevo na ponte movediça que liga ao 14 de Fevereiro, Dia dos Namorados. Só amor vence o medo e a morte. Deixemo-nos contaminar pelo feitiço do amor. O verdadeiro Amor é o baluarte onde o medo e a superstição não conseguem entrar!
14/14.Fev,2015
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário