Que doce sonoridade
aquela voz de Vinícius de Morais na
doação do poema com que titulo este apontamento breve!
…”Amanhã domingo”. E por
sê-lo, folheio perante os meus amigos e
amigas a síntese dos textos bíblicos de amanhã. Paradoxalmente, não é de
acalmia ou lazer que nos dizem, bem pelo contrário, é de luta, de militância
sem tréguas que nos fala Job, ao constatar que a sua vida é como a de um “soldado
em guerra… de um escravo que anseia um
pouco de sombra… de um jornaleiro que espera o fim de um dia de trabalho … é como
a lançadeira do tear que nunca pára” (Job,7,1 sgs), a que se juntam as
incansáveis fadigas de um homem, Paulo de Tarso, que “se fazia forte com os
fortes e fraco com os fracos… que aguentava tudo por uma causa maior”. E ainda,
o movimento rotativo de J:Cristo, de dia e de noite, sem hora nem pedra onde
reclinar a cabeça.
Não vou entrar em estados
de alma, pois a ponte que me leva até vós é mais vasta e larga que os
labirintos da minha sensibilidade. No entanto, “porque hoje é sábado e amanhã
domingo” interiorizo o verve inesgotável de tantos homens e mulheres que se
sentem a mais quando enrodilhados no divã de um
bem-estar aferrolhado e surdo ao clamor que grita às suas portas. O meu pulsar em uníssono com aqueles que à
monotonia da planície preferem o escalar da montanha, aqueles que às areias
dormentes preferem surfar por entre os
túneis de lava salgada das ondas gigantes. Oh, escreve, de novo, José
dos Reis, e manda para cá o sopro do teu régio “Canto Negro”!
O apelo que esta noite
gera para amanhã, domingo, seja ele de quem dá sem nada esperar de volta.
Impressionou-me recentemente a apreciação que Manuel Vicent fez na sua habitual
última coluna dominical do EL PAIS, a
propósito dos que se expuseram (e dele foram vítimas) ao contágio do ébola para
salvar outras vidas, equacionando-os em duas vertentes: de um lado, os
missionários e religiosas que assim
procediam, por amor de Deus e respectiva
recompensa; do outro, os que sem quaisquer pressupostos laterais, agiram pelo
imperativo maior da dignidade humana. Manuel Vicent privilegiava os ideais
destes últimos, pela entrega incondicional aos valores perenes.
Nesta luta quotidiana,
“de soldado em campanha”. Apraz-me tirar todos os dias do baú da memória aquele
provérbio antigo, atribuído à literatura árabe: “A primeira e maior recompensa
do dever cumprido é ter cumprido esse dever”.
No mundo de hoje, onde o que conta é
só a moeda --- os juros, o esbulho dos países mais pobres, desculpem-me
este desabafo, em jeito de estado de alma. Porque “hoje é sábado” e fui
entregar dois amigos da minha comunidade ao seu “apartamento” final, que um dia
também será meu, será nosso.
E “porque amanhã é
domingo” renasce o sol, este sol de inverno que mesmo que não aqueça, ao menos
alumia e avoluma o fogo serviçal que ainda não deixámos apagar dentro de nós.
7.Fev.2015
Martins Júnior
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