Como distingui-los
?
Desde anteontem, tem-se perseguido um
aviso colhido na leitura oficial da práxis dominical e que interpela
constantemente sobre o que é o novo e o velho, o antigo e o actual. Desde logo,
acode-me à memória o paradoxal aforismo de Ch.Péguy: “O jornal de ontem torna-se mais velho que a Odisseia de Homero”. Ora o, ontem actualíssimo, jornal distancia-se
de nós apenas 24 horas e Homero fica a 900-1000
anos a.C, ou seja, já lá vão mais de 3.000 anos. Quer dizer que a Odisseia ainda hoje é actual
e o jornal de hoje será velho amanhã. O mesmo dir-se-á destas redes sociais,
deste meu blog --- escrita de água corrente que não passará duas vezes sob a mesma
ponte do nosso quotidiano.
A este propósito, li no domingo
passado (e em rádios, televisões,
templos e ermidas outros o fizeram) um pensamento transmitido por Moisés ao abalado povo de Israel:
“Vou dar-vos um profeta, escolhido de entre vós. Porei na boca dele as minhas
palavras, disse Iaveh. Se não fizerdes o que ele, em meu nome, vos ordenar, serei Eu mesmo a pedir-vos contas. Mas também
vos digo: se o profeta ensinar, em meu
nome, ao povoas palavras Eu não lhe
ordenei, esse profeta será condenado à morte” . (Livro do Deuteronómio).
Moisés viveu no século XIII AC..
No mergulho da minha pesquisa
ao mais fundo desses oceanos
milenares escutei a mensagem directa como um arpão pontiagudo: substitui o
estatuto de “profeta” pelo de “líder”, seja ele escritor, jornalista,
político ou religioso.
Começo por este último, o que me toca
mais de perto. E tremi, sentado no banco dos réus, a interrogar-me se as torrentes
de palavras que tenho debitado na tribuna sacra corresponderão ao discurso original
que me foi ordenado transmitir. Pasmei perante a psicótica imaginação de quem,
na cátedra de Pedro ou nos púlpitos de aldeia, foi dizendo que as crianças não
baptizadas seriam condenadas a andar eternamente de baloiço ou de estonteante “escorrega” entre o céu e o
inferno. Pensei nos pregadores de promessas e indulgências que vendem aos
talhões o outro mundo, como o Sumo Pontífice de Roma que, no século XVI, para
levantar a magnificente basílica romana,
cambiava ao balcão da “fé” umas tantas moedas ou “xis” dracmas por menos “xis”
chibatadas de lume no outro mundo. E os mesmos que, na Quaresma, com as senhas
das bulas, extorquiam os vinténs aos pobres como licença de poderem comer carne, aquela carne de que nem os ossos viam na mesa da cozinha. E pensei nessa sarcástica
quão doentia prisão, chamada confissão, de ter de pedir perdão ao “santo e
rico” João pelo roubo que fez ao pobre vizinho José.
Como foi possível inventar, em nome
do Altíssimo, aquilo que Ele nunca dissera”! Para eles, Moisés decretara: Sentença de
morte! E para o povo: Certidão de
cegueira total.
Mas, passando às lideranças
políticas, designadamente à veneranda figura do “legislador”: como é possível apertar ao pescoço do povo o
cutelo que os deputados fabricaram nas assembleias legislativas e que eles, só
eles, mereciam pagar? Os eleitores haviam de tirar algum tempo para verem, não
pelas artimanhas televisivas mas “in loco”,
como os parlamentos (e aqui, falo
do que vi pessoalmente) transformam o
seu voto de confiança em arma de
massacre nas mãos dos seus estimadíssimos deputados eleitos. Na esfera do
executivo, o conhecido adágio “Vox
populi, vox Dei” (Voz do povo, voz de Deus), que insensibilidade é esta de
deixarmos impunes os que antes prometeram fartura e depois ofereceram miséria ?
Ou permitir em silêncio que os governos
não façam aquilo que o povo quer e, com a maior displicência, fazem o que o
povo não pede nem precisa.
Quanto ao jornalismo, não há
necrotérios para tantas autópsias.
Cotejem os meus amigos e amigas o assédio dos informadores que forçam as
nossas portas e fustigam olhos e ouvidos: os títulos (tão disformes uns dos
outros sobre o mesmo caso), os
conteúdos, as caricas estampadas, os directores, os proprietários imperadores!
É por isso que os jornais de ontem já
são velhos hoje, que os governos de hoje serão farrapos amanhã, É por isso,
finalmente, que o maior líder religioso de hoje, em Roma e fora dela, tanto
luta para restituir ao mundo a matriz original de verdadeiro profeta.
3.Fev.2015
Martins Júnior
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