Volto hoje a um daqueles
temas que jogam bem com a feliz aragem da
silly season (deixem passar esta brincadeira do anglicismo) embora, confesso, não me
agradem particularmente as “ocorrências
do dia” ou as esparrelas da casuística
bisbilhoteira. Mas este é um verdadeiro “caso” que merece a atenção do
mais anónimo cidadão, pelo singular conteúdo que traz lá dentro.
Fiquei surpreendido, um
dia destes, com dois simpáticos trabalhadores da Empresa de Electricidade da
Madeira (EEM) que me apareceram logo de manhã na igreja e queriam saber onde
estava o contador geral que alimentava a energia eléctrica do adro da Ribeira
Seca. Perante a minha natural e embaraçada estupefacção (tínhamos os pagamentos
em dia) responderam: “São ordens lá de baixo”. Mas… E antes que continuasse com
outros “mas”… logo esclareceram: “É que recebemos ordem para ligar os
projectores à iluminação pública”.
Para muitos, para todos vós certamente, nada de extraordinário,
visto tratar-se de um local público. Mas para nós, foi decididamente um momento
de alegria. Doméstica, é verdade. Mas enorme, por tudo o que essa luz,
paradoxalmente, esconde no dentro dos postes.
Explico, sem demora, este
mini-melodrama, cenas de um teatrinho herói-cómico, em quatro actos:
PRIMEIRO ACTO:
O exterior do templo da
Ribeira Seca foi sempre iluminado pelos holofotes que a EEM veio colocar, em
1998, certamente em compensação pelo esforço que o Povo desta localidade generosamente tinha despendido na construção do transformador, sob orientação e com os
materiais cedidos pela referida empresa. Como é da praxis normal em toda a Região,
os encargos com o consumo de energia do espaço exterior ao templo, neste caso,
da Ribeira Seca, por onde passam todos os dias numerosos transeuntes, sempre
foi da responsabilidade dos poderes públicos municipais.
SEGUNDO ACTO:
Numa segunda-feira,
tristemente famosa, estava eu no gabinete do meu grupo parlamentar no Funchal e
atendo o telefone:” Sabe, os homens da
Casa da Luz já rebentaram os cabos do adro e levaram agora mesmo todos os
holofotes”. Tudo feito em tempo-relâmpago e numa hora, a do almoço, em que no
adro não havia ninguém. Os “assaltantes”
(forçados!) só foram vistos quando se puseram em fuga. A revolta subiu de tom
quando as pessoas se deram conta dos motivos: é que na véspera, domingo, 17 de
Outubro de 2004, tinha havido eleições regionais e o partido maioritário levou
a maior derrota de sempre nas duas mesas da escola da Ribeira Seca. A
democracia “joanina” no seu melhor!!!!
TERCEIRO ACTO:
Indignação quase
incontrolável da população, não só da Ribeira Seca, mas sítios circunvizinhos
perante tamanha agressão ao Povo! A comissão reúne-se, pede reunião ao
presidente da EEM, sem êxito. Vigilas à noite, iluminadas por velas transportadas nas mãos
das pessoas por entre a escuridão. Nova reunião, desta vez, pedida por mim ao
dito presidente, visivelmente agastado --- eu diria, pelo semblante,
intimamente envergonhado e enxovalhado, por “esta ordem vinda de cima “ --- o
qual, temendo o pior, faz-me a proposta: “O sr. padre compra-me os holofotes,
vendo-lhe por metade do preço e acaba-se com isto. Por favor”. Suponho que não
estou a cometer nenhuma inconfidência --- o senhor está vivo e pode
confirmá-lo. Aliás, registei o seu tacto diplomático em resolver um conflito
que ameaçava tomar formas extremas.
Reuni a população, em mais uma noite de vigília, tendo quase toda a assembleia
popular aceitado a proposta. Assim se
fez. Foi com visível orgulho e não menos ironia que as pessoas comentavam
aos funcionários: “Os mesmos que levaram os holofotes vieram hoje repor a luz no seu lugar”. E até os próprios agradeciam: “Vocês tinham
toda a razão”. Este Terceiro Acto terminou com uma festa, em 7 de Novembro do
mesmo ano ( data histórica, evocativa do
clamoroso dia 7 de Novembro de 1974, a contar noutra altura). A impressionante cerimónia começou com a vigília habitual, seguindo-se o
reacender dos projectores e, no palco, canções e bailados pelos jovens e
crianças da Ribeira Seca. Por ofício
formal, a Comissão da igreja convidou para o acto o presidente da EEM que,
naturalmente, não compareceu.
QUARTO ACTO
Vencido na sua ânsia de reduzir este agregado populacional à
escuridão de outros tempos, o autor da cena, cobardemente refugiado na Quinta, impôs à sua subserviente Câmara laranja
ordem para não assumir os encargos e obrigou-nos a pagar à EEM a iluminação
daquele espaço público, excepção única que se conheça na Região. Fizemo-lo, sob
protesto, mas sempre firmes em viver na
transparência e na luz que outrem queria subtrair-nos, em degradante represália
pelas derrotas que até hoje este Povo sempre
lhe infligiu.
Finalmente, fez-se
justiça! Ao fim de 11 anos de taxas injustas que exigiriam corresponde
indemnização.
Ao fechar do pano, os
aplausos para quem não desiste: quem luta vencerá sempre. Tarde ou cedo.
Aplausos também e agradecimentos à actual gestão do Município de Machico. E
ainda a grande conclusão: agora vejo em plena luz que, se “a memória é a
faculdade de esquecer”, então torna-se urgente deixar escrito na dureza da pedra ou num espelho de água todo um passado
que só honra os valorosos e condena os criminosos.
Pairam ainda no ar e na
alma das pessoas os versos que então cantaram nessa noite memorável:
“Nosso
adro está de verde
São de
amor suas canções
Está
tudo iluminado
Como
os nossos corações”
11.Ago.2015
Martins Júnior
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