Em pleno verão, falemos
de optimismo, gastronomia, de serra e mar. São os consumíveis da estação, feita
precisamente para alargar pulmões e
emoções positivas, algo que nos faça, após as férias, rever com outros olhos a monótona paisagem do
quotidiano e nos permita tomar as ferramentas do nosso trabalho --- escola ou
oficina --- com aquela frescura e
perspectiva como se fosse o primeiro dia em que lá entrámos.
Só que este mar e esta
areia não têm o azul afago das nossas baías. Os pratos típicos desta gastronomia
estão longe das aprazíveis esplanadas, bem pelo contrário, trazem o cheiro
agridoce (mais amargo que doce) de outras paragens. No entanto há um sublime interface,
quase mágico, que faz da contraditória ementa de hoje um cântico de
optimismo esperançoso de dias melhores.
Tem duas páginas o “poema
épico” que vos venho contar. Digo “épico”, porque a sua datada e localizada mensagem abre
as clareiras desse “Maravilhoso Mundo Novo” onde todos temos o direito a viver.
A primeira página faz parte dos noticiários de 4 de Agosto pp..
Os noivos Ali Uzumcuoglu,
oriundos de famílias abastadas, no dia de casamento, prescindiram da sumptuosa festa que todos os
noivos almejam e, em seu lugar, decidiram
oferecer e sentar-se à mesa com 4.000
refugiados, na cidade de kili, região sul da Turquia. Eles próprios ajudaram
a servir a refeição aos acampados sírios, agregados pela organização
humanitária KIMSE YOK UM. Dos pormenores, sabe-se que a iniciativa desta
estranha festa --- muito mais que
gastronómica --- pertenceu ao pai do noivo, com a imediata anuência do jovem
casal. Não consta, sequer, que se tratasse de um casamento católico, a avaliar
pelo ritual da boda. Comentários, para
quê? É certo que nenhum de nós se ilude com este gesto, datado e localizado,
repito, para resolver a tragédia de milhares de refugiados. Mas ampliemos a objectiva particular e imaginemos que a
mesma opção dos noivos turcos transformar-se-ia, não na refeição de um dia, mas
no código de conduta dos parlamentos e dos executivos mundiais!
A segunda página, tão ou
mais impressiva que a primeira, sabe a mar, mas àquele mar, mais duro e salgado
que o de Pessoa --- “Quanto do teu sal/ São lágrimas de Portugal”. O
mar-cemitério é também datado e localizado: o Mediterrâneo.. Ei-lo aqui, o
“poema épico”, colhida na edição de hoje do jornal “EL Mundo”:
Christopher Catambrone,
34 anos, norte-americano, Regina; italiana da Calábria, 39; e a filha
Maria Luisa , 19 anos, possuidores de uma enorme fortuna, foram de
viagem, oceano fora, no seu super-iate de luxo. Em vez da romântica paisagem
marinha, depararam-se com peças de vestuário à tona das águas e aí
aperceberam-se “in loco” do que se passava.
Apavorados com o mísero espectáculo que se repete, dia-a-dia, diante dos
nossos olhos parados, decidiram investir a sua fortuna numa “guerra sem tréguas”
a tamanha maldição. Tocados pela pesada denúncia do Papa Francisco ---
confessam os próprios --- contra a “indiferença globalizada”, compraram por cinco
milhões de euros um antigo barco militar
nos EUA , o único no mundo pago por particulares para o salvamento marítimo, apetrecharam-no
com “drones” e a mais moderna tecnologia e ao qual deram o inspirador baptismo de “Phoenix”,
a ave mítica que renascia sempre das próprias cinzas. Contrataram uma tripulação especializada de 23
elementos, entre engenheiros navais, enfermeiros e médicos, capitaneados por um
experiente conhecedor dos mares, o espanhol Gonçalo Calderon. A partir do
Centro de Coordenação de Salvamento Marítimo, sediado em Roma, a esposa Regina
controla, por informação dos “drones”, e
localiza as embarcações carregadas de africanos. A filha Maria Luisa pediu um ano sabático na Faculdade para poder
aliar-se inteiramente a esta causa. E declara-se “afortunada” por isso. São
comoventes os testemunhos de toda esta gente, sobretudo perante bebés que
encontram condenados precocemente à morte por afogamento! Só em dois anos, já salvaram
no Mediterrâneo 8.910 pessoas, sobretudo, da Nigéria, do Sudão
e da Eritreia.
Tudo, a expensas suas, exclusivamente!
Para operacionalizar mais eficazmente a
campanha, criaram uma ONG, da sua inteira responsabilidade, denominada MOAS
(Estação de Ajuda ao Migrante por Mar)
articulando-a com a dos “Médicos Sem Fronteiras”.
“ Milhares de pessoas estão morrendo diariamente às nossas
portas. Temos de fazer algo por elas …Salvamo-las no mar e depois encaminhamo-las para outras ONG’s que as acolhem em terra. O que mais nos
entristece --- desabafam --- é ver a
Europa a olhar para outro lado, à espera que o mar faça o trabalho sujo… E fatiga-nos
quando alguém nos chama “milionários salva-vidas”. Tão pouco que nos chamem
heróis”.
Dois marcos eloquentes,
arvorando a confiança, o optimismo, o tal “Maravilhoso Mundo Novo” que vaticinou
Aldous Huxley!
Não me canso de afrontar
os FMI’s, os BCE’s, os “offshores”,
esses carniceiros do jogo sujo, que não temem apelidar de loucos os jovens noivos
da Turquia e o casal Catrambone.
Quem nos dera que, à
nossa porta, fizéssemos algo de transformador, ultrapassando as louváveis, mas
insuficientes, chancelas do voluntarismo caritativo. É preciso educar as
mentalidades. É preciso indignar-nos! Mesmo de longe, algo podemos fazer.
Consta que brevemente,
numa das mais pobres freguesias da ilha, andam emigrantes (não se esqueçam que
já foram imigrantes) preparados para repetir os ostentatórios e atentatórios
arraiais religiosos com as ruidosas manifestações profanas do mais faraónico
desperdício perante a miséria do seu Povo. Tudo (ofensivamente, em minha
opinião) à sombra da religião. Não haverá
por aí alguém que lhes proponha,
em nome da mesma religião, algo que perdure a favor de idosos, crianças,
doentes, enfim, náufragos neste mar em que navegamos?!
Quem estará disposto a
seguir as pegadas dos noivos turcos e do
casal Catrambone?
9.Ago.2015
Martins Júnior
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