Há quanto tempo não via
este estranho e divertido vocábulo: Turiferário!
Talvez há uns 50 ou 60 anos. Ao
consultar a apreciação crítica do livro, fortemente polémico, Le
Travail et la Loi, de Robert Binter e Antoine Lyon-Caen, o analista enuncia
a série de opositores, entre os quais, os próprios “turiferários” do seu, outrora,
professor na Faculdade e agora seus acérrimos críticos.
Não é do conteúdo do
livro que me ocupo hoje, mas da curiosa designação dos “turiferários”. Quando
muito jovem, era assim que se designavam os acólitos dos grandes cerimoniais e
dos solenes cortejos processionais, os quais tinham por ofício transportar o
turíbulo onde o presidente do ritual lançava o incenso, produto do arbusto
classificado como “turífero”. E lá ia o turiferário abanando de um lado para
outro o turíbulo que tilintava de encontro às “cordas” prateadas que o
sustentavam.
E quem não observa, presencialmente ou via TV, esta encenação
primitiva nas solenidades litúrgicas dos nossos arraiais?... Pela minha parte,
acho mais um resquício das míticas fórmulas orientais, espectáculo para os
olhos e para as fossas nasais, lembrando a atmosfera onírica dos magos e
feiticeiros, os cheiros inebriantes das ruelas indianas e, no limite, os
perfumes afrodisíacos dos corredores de duvidosa frequência.
Passado este aparte
interpretativo, volto ao ofício de turiferário,
o portador do turíbulo,, o incensador.
E, mesmo em férias, chega-se facilmente
a esta hilariante conclusão: afinal, incensadores, bajuladores, oportunistas,
lambe-botas, enfim, nunca os houve tantos como agora. Basta ler a voz do povo, habilmente
compendiada no poeta algarvio António Aleixo: Engraxadores sem caixa/ Há aos
centos na cidade/ Que só usam da tal graxa/ Que envenena
a sociedade.
Na politica, eles acham o
seu habitat natural: hoje, beijam os pés encardidos do “chefe” que lhes dá
leite e mel, o posto, o cheque clandestino, envolvem-no em nuvens de incenso, (Yes, minister) mas amanhã chutam-no à valeta, despem-no na praça
pública e correm logo a segurar o cadeirão do poder. A Madeira é um exímio exemplar da raça turiferária.
A hierarquia clerical é
outro misterioso antro para turiferários hipócritas, rapa-sotainas, que vão
comendo à mesa de Deus e do Diabo, para ascenderem ao ridículo canonicato, ao engordurado
bispado, ao principesco cardinalato e,
daí, ao papa-léguas do império papado. A
história da “Santa Aliança” e Le Rouge et le Noir, de Stendhal estão aí publicados, para quem quiser constatá-lo. Só “de
séculos-a-séculos” lá aparece um desses purpurados, isento e transparente (é o nosso tempo) exposto mais cedo ou mais tarde à maledicência e à traição dos que lhe acariciavam o anel e o
polvilhavam de incenso.
No jornalismo, nem falar:
os que se dizem independentes, tão independentes como o “irrevogável” das
feiras, bem retratados pelo escritor-sociólogo
Eça de Queirós na figura do Palma
Cavalão, director da “Corneta do Diabo”, essa coisa sebácea e imunda como ele --- esses, cuja pena e papel são feitos de alambiques de jorra e notas de
cinco mil euros…
Leia-se Molière, no seu Tartufo, para entendermos quão intemporal é a geração dos corcundas do reino, dos mafiosos
caninos, dos “toupeiras”, dos “lagartixas”, sedentos de chegar a jacarés, à custa
dos mais vis estratagemas, melífluos,
afrodisíacos, judas calculistas, de beijo
armadilhado para espetar o punhal nas costas do seu mestre, do seu colega, do
seu familiar… a troco de trinta dinheiros. Raça de víboras, chamou-lhes o
Mestre.
É de tudo isto que me lembro ( e também das vezes que, outrora, me puseram nas mãos um turíbulo nos pontificados da Sé Catedral) lembro-me de tudo, ao ver esse, para mim, ridículo espanador de
incenso com que os turiferários do templo vão perfumando ou profanando os altares dos arraiais nesta quadra
cerimoniosa do nosso divertimento.
E viva a festa! Queime-se incenso, como se queimam foguetes…
21.Ago.2015
Martins
Júnior
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