Podia
perfeitamente multiplicar todos os sete títulos por “setenta vezes sete” que
não chegariam para pintar as variadíssimas maquilhagens com que a devoção
popular pretende “ver” a mesma e única Senhora. E são tantas e de tantas
sensibilidades que nos transportam ao mítico Olimpo dos deuses. Uma das mais
pitorescas metamorfoses da Senhora tem direitos de autor no Funchal e dava pelo
nome de “Nossa Senhora do Calhau”, por ter sido
a sua capelinha edificada, já lá vão cinco séculos, no “calhau” da nossa
cidade, a qual, destruída pelo mar, veio
a ser substituída pela igreja do Socorro ou, primitivamente, de Santa Maria
Maior.
Não
sei se suscitará algum interesse esta minha digressão à volta da Madeira e
Porto Santo, anteontem, 15 de Agosto, cognominado popularmente o “Dia das Sete
Senhoras”. É um tema que tem tanto de lúdico como de sério. Tanto de mágico
como de ridículo. É tal a torrente de elucubrações e derivas as que jorram desta nascente de
inspiração popular, que não conseguirei catalogá-las nesta breve missiva.
Sendo, desde sempre, uma preocupação minha, o que me levou a partilhá-la
convosco, nesta época de veraneio, foi o artigo do antropólogo e teólogo Manuel
Mandianes, em “El Mundo”, intitulado: Fiesta, entre el rito y la provoción.
Para
mim, enquanto espectador, é uma insistente dor-de-cabeça entrar neste intrincado
labirinto de Creta e descobrir o como e o porquê de tantas roupagens atribuídas
à mesma e única Senhora, como se fora actriz de novela, sobretudo quando me
concentro na personalidade (humana e excelsa) dessa humilde Mulher palestiniana.
Na
minha declaração de interesses, juro que respeito todas as criações
imaginativas da interpretação popular, sendo certo, porém, em primeira mão, que a mentalidade nativa tem
uma apetência incontrolável para a novidade, o estranho, o mágico. E corre
desabridamente atrás da notícia, quanto mais mítica mais apetecível. Tenho a
impressão de que se se propalasse a “notícia” que Nossa Senhora tinha aparecido
nas serras do Caramujo, pois as gentes deixariam no deserto as noventa e nove
ou as setenta vezes sete devoções e saltariam por aí fora em demanda de outra Senhora
milagreira., que, para tal chamar-se-ia Nossa Senhora do Caramujo, ao lado de
Nossa Senhora do Calhau.
É
para mim motivo de sérias incógnitas a particularidade ínsita no “nacionalismo
religioso” que leva cada país e cada
lugarejo a descobrir e colocar no mastro
alto da sua bandeira um ícone específico da terra a que pertencem E quando, logo depressa, acode o “nacionalismo
político”, aí temos o grande trono onde se espelha a matriz
patriótico-religiosa de uma nação. Em França, Lourdes; no México, a de Guadalupe; em Itália, a do
Loreto; no Brasil, a da Aparecida e, entre nós, Fátima, originariamente nome da
filha de Maomé, transformada em “Altar do Mundo”.
Falo
assim, dando o benefício da boa-fé a quem a tem, mas também com a convicção de que o
Magistério da Igreja nunca considerou as aparições como conteúdo dogmático em
que devamos acreditar, mesmo sem compreender. Mais me toma e domina o facto histórico de que
a Mãe de Jesus é só uma --- MARIA --- e mais nenhuma. Vê-la, reconstituir os
seus passos, a sua identidade, estimá-la e amá-la, tal qual Ela é, isso me basta. Mesmo que não me faça nenhum
milagre eu gosto dela, curvo-me perante a beleza e a dignidade do testemunho
que nos deixou. Não troco a realidade
pela ficção. E quanto aos heterónimos, chegam-me os de Fernando Pessoa. Quem me
dera perguntar a quem soubesse responder: no Além, quantos altares terá a Mãe
de Cristo para lhe acendermos uma vela?
E
sobre as velas, queria eu saber com quantas toneladas de cera se sente a
Senhora feliz? Cinco mil por dia, com dizem os noticiários ter ocorrido em Fátima?... Voltaremos à
pré-história dos holocaustos em desagravo da Divindade?... A perna de cera que
o crente, na foto, lança à fogueira, confesso que me arrepia, pelo que de
traumático me traz à memória de outros tempos!
Desculpem-me
o desabafo, mas não consigo prosseguir mais nesta viagem por entre a densa
floresta de crenças, superstições, exageros, que redundam em ofensas àquela Mulher, fonte da Grande Causa e seio
progenitor de um Mundo esclarecido, exigente e reprodutivo de outros mundos
futuros!
17.Ago.2015
Martins Júnior
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