“Vamos p’rá festa…P’rá romaria”!
É o que está a dar nestes
fins-de-semana de Agosto, com música a
rodos, ora embalando ora levantando ao rubro a ilha a, de lés-a-lés.. Umas
vezes é ruído, outras é bálsamo, outras é saudade, romantismo e, nalguns casos,
é verve, incitamento à rebeldia e à violência, senão na raiz, ao menos na colheita final da vindima arraialesca.
Desde os mais remotos
tempos, a música transmite o legado de um Povo: é o linguajar, á a dança, o
ritmo, o conteúdo, enfim, aquilo a que costuma designar pelo genérico de “folclore”. Diz-me qual a tua
canção e eu dir-te-ei tal o teu coração, a tua sensibilidade, a tua génese e,
tratando-se de um Povo, tal a sua história. Insisto naquela tecla que já aqui
vos trouxe: cada povo tem a música e a letra que merece.
É neste registo que vou
reafirmar a singularidade de um Povo nado e criado entre as franjas do
suburbano e a ruralidade mais extrema. Um Povo que tem vivido as suas festas ao
ritmo da linha evolutiva da sua história, fidelizando a tradição e , ao mesmo
compasso, desenhando os “graves e agudos”, os “adágios” e os “pizzicatos” que o quotidiano da vida colectiva vai compondo. Pode, pois,
dizer-se que a história de um Povo não é apanágio exclusivo dos
narradores/historiadores. É também obra
incisiva, marcante, dos músicos. Assim se desenrolam os estilos musicais, desde o primitivo visigótico,
o gregoriano, o românico, o clássico, o
barroco, o modernista.
Nos quatro CD’s já
editados e que reproduzo em epígrafe, estão plasmadas as páginas de um agregado
populacional, denominado Ribeira Seca.
Sem quaisquer fumos publicitários, a verdade é que não conheço nenhuma
outra comunidade na Madeira, ao menos, que tenha compendiado em verso, dança e
som a trajectória do seu Povo, numa mensagem ecléctica que vai desde as
origens, os dramas, as resiliências até às vitórias, alegrias e vivências
religiosas do passado e do presente. Quem quiser estudar o historial da Ribeira
Seca basta abrir os CD’s que logo terá uma visão panorâmica de teor informativo
completo.
Não vou descrevê-los , um
a um, exaustivamente, mas tão-só abrir o
pano de cena e mostrar em palco sonoro o MACHICO TERRA DE ABRIL, repositório dos antecedentes
sociológicos e culturais que fomentaram o espírito dinamizador da Revolução dos
Cravos em Machico. De seguida, o VIVA A VIDA ( A Fé cantada na igreja da Ribeira Seca) onde
se exprime a espiritualidade deste Povo, a sua interpretação pró-activa de uma
crença amassada com o suor do seu rosto,
sublimada pelo apelo de um Cristo, Irmão
Libertador, que nos puxa urgentemente para a construção de um mundo justo.
Depois, a TERRA DA MINHA SAUDADE desbrava o património ancestral da terra, as
vindimas, as levadas, os tecidos feitos ao tear, a emigração e, enfim, a jubilosa
elevação a cidade daquela que foi a primeira capitania da Madeira. O mais
recente, A IGREJA É DO POVO – O POVO É DE DEUS , o mais expressivo em termos históricos e o
mais veemente concebido no rescaldo dos atentados da hierarquia diocesana contra uma população
indefesa, episódios vários, sobejamente conhecidos na Madeira e no continente,
que envolveram forças policiais e outros requintes da regional-inquisição político clerical, que não
podem ficar na tumba do esquecimento. Não é por acaso que a comunicação social
madeirense reteve e retém os
conteúdos deste, por enquanto, último trabalho. Digo “por enquanto”, porque outros já estão na forja prontos a ver a luz do
dia.
Em tempos do arraial
ilhéu que tinge toda a Madeira, convém esclarecer que todas estas produções
musicais trazem a chancela da população
local, autora dos versos, as quais eram exibidas ( e ainda hoje o são) nas festas
locais, constituindo o núcleo central do programa lúdico-cultural das
atracções, a cargo de crianças, adolescentes, jovens e adultos que fazem do
palco o livro aberto, o Manual-síntese da História da Ribeira Seca.
Apetece reproduzir aqui a belíssima
composição de Pedro Barroso, cantada pelo próprio, nos alvores de Abril, em
terras de Machico: :
Lutas velhas,
Canto novo
Que a resistência de um Povo
Também se cria a cantar.
19.Ago.2015
Martins Júnior
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