Em se aproximando Agosto
do porto da amarração, a ilha baloiça, encanta e brilha, como caravela
engalanada, da popa à proa, de bombordo a estibordo, como em dia do iniciático baptismo marítimo. São as festas que cruzam a
ilha, de lés-a-lés. No tanto que há para ver e sentir, hoje posto-me diante dos
palcos, uns mais barrocos e vistosos, outros modestos, mas todos comunicativos. E o comunicador aí
está em grande angular, microfone em punho, distribuindo cordões de mimos e
notas de funcho verde por todo o
anfiteatro que o envolve.
É para eles, os
animadores musicais, que dirijo a minha atenção e o meu aplauso. Atenção para
poder distinguir gato de lebre e aplauso genérico pelo empenho com que uns e
outros se esforçam por alargar o perímetro do recinto festivo dando o melhor de
si mesmos a quem vai buscar à festa um suplemento de optimismo e, por que
não, uma fuga às dissonâncias do real quotidiano. Relevo aqui, portanto, não a
chocarrice e a brejeirice de certos encartados do sistema arraialesco que, se
não têm barbas, têm bigodes ( o povo gosta…) mas tão só a “oferta” militante
dos que se apresentam em palco. É justo prestar-lhes audiência porque, além dos,
muitas vezes, simbólicos honorários
auferidos, nunca se sabe o esforço que fazem para embandeirar a festa. Talvez
que a euforia que transmitem cá fora não bata certo com a que trazem no peito.
Falo assim, ao constatar
a notícia do grande artista madrileno El Cigala, de nome próprio Diego Ramon Jimenez Salazar,
no seu recente concerto em “Hollyood Bowl”, Los Angeles, e de que se
fazem eco as redes sociais e, sobretudo, a imprensa espanhola. Antes de entrar
em palco, murmurava “No puedo, no puedo … qué barbaridad, qué barbaridad”. No entanto,
recompõe-se, entra em palco. E a saudação eufórica: “Como estou feliz por
compartilhar com tanta gente boa a boa música. Tanto eu como os meus
companheiros estamos felizes por estar aqui, Thank you, very much”.
Certamente perguntar-me-eis
que há de extraordinário nesse comportamento bipolar?
Poucas palavras:
A esposa, Amparo Fernandez, com quem vivera 25
anos e lhe dera dois filhos, tinha morrido poucas horas antes. Durante os seis meses
de luta fatal contra o cancro num hospital da Republica Dominicana, Ela, Grande Mulher, já lhe tinha pedido que não deixasse de
cantar e, passara lo que passara, nunca abandonasse os palcos, mesmo
no dia da sua morte.
Comenta o autor da
reportagem: “El Cigala portou-se como
um profissional com letras maiúsculas. Não houve sequer o mínimo desabafo final que desatasse em comoção.
Deixou de lado a sua pena para dar sabor à vida dos demais. Entre linhas tinha
escondido a sua dor.” E a canção final,
por sua opção, teve por título “Gracias a la vida”. O público aplaudiu sem que de nada se apercebesse. El Cigala, seguiu de imediato para a
Republica Dominicana, onde será incinerada Amparo Fernandez, na
mais íntima privacidade, em Punta Cana,
“su paraíso de paz”.
É por episódios como
este, que tenho muito respeito pelos profissionais do palco, pelo seu
despojamento interior, pela incondicional fidelidade ao seu papel, passara lo que passara, tendo de sufocar muitas vezes problemas e
angústias pessoais para oferecer ao público a alegria de que, lá dentro, estão
carentes. Em Portugal, conhecemos exemplares idênticos, com artistas de renome
nacional.
Mas, para lá destes
cenários dramáticos, rendo também a minha homenagem a todos esses grupos,
profissionais ou amadores, bandas de garagem e afins que dão o seu melhor
esforço para promover valores, dos bons,
dos promissores, que fazem desabrochar
a canção inata que a terra tem. Cabe aqui uma palavra de apreço ao meu amigo, Professor José Alberto
Reis, protótipo deste empenhamento, que através dos seus programas, entre os
quais o saudável e desinibido “Musicas do Arco da Velha”, tem levado por toda a ilha um
apreciável e diversificado elenco de
artistas autodidactas, todos eles marcados pelo voluntariado cultural, dirigido não às
elites classistas mas aos mais recônditos espaços da Região, onde os esperam
populações anónimas, merecedoras da arte
dos sons.
Nesta minha saudação
envolvo sobremaneira os que põem o Povo a cantar, as suas romarias, o seu
versejar, a sua coreografia original. Seria sumamente desejável e incentivável (passe o neologismo) que as festas não fossem
apenas um entreposto de importação acústica
mas também um filão da mais genuína criatividade popular.
Viva a
festa!...
Festa
do Povo
Do
Povo que trabalha
E faz
o mundo novo.
23.Ago.2015
Martins Júnior
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