É,
sem dúvida, o primeiro passaporte da pessoa. E, paradoxalmente, deve ser o
último a ser usado, seja pelo portador, seja pelo observador. Ajuizar alguém
por “um palmo de cara” é o que de mais
falacioso se pode fazer. No entanto, cada qual maneja o argumento conforme a
cor do próprio olhar. E assim surgem as expressões “Tá na cara”, é “de caras”,
é um “sem-cara” , "duas-caras" e ainda "cara-de-pau", "cara-de-feijão-frade" o que tudo resumido significa o carácter e o cunho
identitário de quem está na berlinda do
apreço público. Mantenho, pois, a convicção de que classificar o carácter de
alguém, além de sair falacioso, torna-se terrivelmente perigoso.
No
entanto, hoje vou embarcar nessa nau. Vou fazê-lo por um imperativo de cidadania
face à grosseira e apoucada visão do timoneiro, ou dos timoneiros, da nau governativa deste país, quando
sentenciaram, alto e bom som: “Vejam quem agora se apresenta para governar. Os
mesmos de 2011, os que foram derrotados, os que levaram o país à bancarrota. Nem
sequer tiveram o cuidado de mudar as caras”.
Era
o último argumento que se esperava da boca de quem, em plena campanha eleitoral, afirmara: “Nós
nunca recorreremos aos erros da governação anterior para justificar as nossas
posições e as nossas decisões”. Mas, bem pior que isso, é quem recorre ao carácter do adversário para fazer
valer a hegemonia própria. Porque nessa altura --- e aí está o perigo --- pode
voltar-se o feitiço contra o feiticeiro. E é aqui que urge levantar a voz para
evitar a esclerose múltipla com que a actual coligação pretende apodrecer a
racionalidade dos portugueses.
Correndo
o risco de repetir os juízos comuns a tantos observadores e, sobretudo,
evidentes na praça pública, alguém se lembra da “cara” que, em Abril e Maio de 2011,
respondeu a um vulgar cidadão que a interpelou sobre o corte de salários,
pensões, subsídios: “Nada disso, nunca. Isso é o medo que vos querem meter os
nossos adversários. Jamais faremos isso”?! E lembram-se também da “cara” que
fez precisamente o contrário, logo que chegou ao poder?... Lembram-se da “cara”,
a mesma, que agora promete enriquecer o
país, com a devolução de IRS aos contribuintes? Façam as contas e digam lá se “qualquer semelhança é apenas pura
coincidência”. Recuso-me a acreditar que o país tenha cegado completamente e
perdido a razão, ou viva numa paranóica amnésia colectiva.
A
outra “cara” ainda mais cara se afigura, na sua grotesca desfaçatez. Lembram-se
daquele trapezista de circo feirante que, para “subir às costas” do irmão
siamês, esticou-lhe o pescoço e esganiçou a mais não poder: ”Vou largar-te de
vez. É absolutamente IRREVOGÁVEL o que te digo”. E daí a oito dias, com um
salto de coelho bravo, lá trepou as costas do “coelho manso”. E o que era “irre” ficou “re”, o que era “sim”
ficou “não”, o que era verdade virou mentira, o que parecia feio e sujo passou a bonito e limpo. O que era
“cara” ficou “sem-cara”. Enfim, estranha lavagem de caras sujas!
E
viu-se um país suspenso, paralisado, internacionalmente ridicularizado, ainda por
cima com um Presidente estremunhado de sono falso, a
suturar outra vez os restos das “caras” dos siameses que hoje se apresentam no
topo, orgulhosos e inconscientes, como se nada tivesse acontecido.
De
que “caras” está a falar esta gente “sem-cara”? Sem carácter. Sem cunho. Sem
identidade fiável.
Sei
que este não é o melhor aperitivo para os dias mornos de verão. Mas é meu dever
alertar e publicamente bradar que, enquanto o Povo dorme ao relento macio das praias, os noctívagos “sem-cara”
destas noites tropicais andam pelos
gabinetes “tratando da saúde”, do dinheiro, da mente, enfim, da cara dos
portugueses.
Martins Júnior
06.Ago.2015
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