“No chão onde houver baionetas
Sombra ou sinal de
canhão
Vamos plantar
violetas
Cravos, rosas em
botão”
Sei
bem que nesta descontraída estação
gostamos de ver e desenhar o sol na
areia que a espuma breve leva e já não
traz.. Gostamos de ler versos escritos em cima da água das “levadas” que contornam o
nosso dia-a-dia. Preferimos (mais claramente) assuntos ligeiros, se possível
hilariantes, sobre a última ocorrência da tarde, à espera da próxima notícia da
manhã seguinte. Mas…há sempre alguém que não se contenta com os fogos-fátuos
dos arraiais de verão, alguém com a
sensibilidade à flor da pele e por onde circulam as rodas dentadas da máquina
da história. Esse alguém é a minha amiga, é o meu amigo que me fazem companhia à mesa
vespertina do SENSO&CONSENSO.
Quero
dizer-vos que, desde o dia de ontem, continuo invisual e atónito com “aquele clarão,
mais brilhante que mil sóis, a que se seguiu uma ventania ciclónica e a
formação de um cogumelo de nuvens carregadas de partículas radioactivas, em cuja
explosão desintegraram-se pessoas, objectos, edifícios” (Robert Yungk,
testemunha ocular). Foram 70.000 as vítimas instantâneas, seguidas
de mais 35.000 na cidade vizinha. Já adivinhastes, certamente, que evoco nesta
hora a tragédia de Hiroshima e Nagazaki, de
6 e 9 de Agosto de 1945. A roda dentada da memória passa por aqui e não
deixa ninguém indiferente. Setenta anos se passaram, mas a bomba atómica lançada
sobre Hiroshima pelo “Enola
B-29” (nome com que maquiavelicamente o
piloto assassino Paul Tibbets o baptizou, em homenagem à própria mãe!!!) ainda
hoje explode em cima das nossas cabeças, apesar do silêncio estratégico dos
americanos nesta bárbara efeméride.
Particularmente
no lugar de onde escrevo, é incontornável esta data, pois que em 1985 aqui, no
palco aberto da Ribeira Seca, comemoraram-se
os 50 anos sobre o crudelíssimo atentado e aí deixámos em verso e canto (como
assinalei no início) e respectiva
coreografia uma sentida homenagem às vítimas e um veemente protesto à mortífera
potência agressora. Tanto mais veemente
quanto --- soube-se mais tarde --- uma das causas associadas a tal decisão foi a desenfreada veleidade do
presidente Truman em demonstrar aos
soviéticos que os EUA já tinham descoberto a arma mais poderosa do mundo, a
bomba atómica.
Bem
desejaria eu reproduzir aqui as tremendas e palpitantes páginas d’Os Sinos de Nagasaki, legado perpétuo de
Paulo Nagai,
médico e vítima do vendaval radioactivo que marcou gerações. Deixo à vossa
sensibilidade essa busca imperativa. Por hoje, no meio do turbilhão de emoções
que tal genocídio me faz recordar em cada ano, respigo dois pensamentos:
O primeiro
vou exprimi-lo, transcrevendo o desespero
de Kenneth Bainbridge, ele próprio director do teste da bomba experimental em
Almogordo, Novo México, em 16 de Julho anterior: “Agora vejo que somos todos uns filhos da…” (com
todas as letras). E disse-o na cara do
cientista norte-americano Robert Oppenheimer, responsável executivo do
execrável Projecto Manhattan, ao constatar os horrorosos efeitos do teste.
O segundo,
remeto-o para as evidências que todos os dias abrem e fecham os noticiários ---
robots, vírus, ADN --- e de que a imprensa especializada hoje nos dá conta:
Noel Sarkey, informático, especialista em inteligência artificial e robótica, alerta o mundo para as ameaças das
armas autónomas e dos robots-assassinos. Michele Mosca, matemático, avisa do
perigo iminente dos ciber ataques. Médicos, biólogos, especialistas do genoma
humano, previnem os investigadores para que, sem prejuízo da pesquisa
científica, não ultrapassem as linhas vermelhas que levam aos perniciosos abusos
sobre a espécie humana.
Com
mais ou menos requinte, alinham-se na mesma fila outros tantos destruidores de
uma vida, de milhões, de biliões de vidas, esses monstros impunes, cujas cabeças
emergem ainda hoje do pútrido pântano
que criaram. Foi pensando neles que Pierre Accoce e Pierre Rentchnick escreveram o curioso volume “Estes Doentes que nos governam”. Eles andam
por aí, talvez à nossa beira. A bomba caída em Hiroshima navega no oceano da história
contemporânea e traz até nós as ondas da prepotência dos mais fortes sobre os
mais fracos, dos todo-ricos sobre os todo-pobres, dos que governam a bel-prazer
do amiguismo ou das antipatias pessoais. E estou a lembrar-me de quem. desde o
Funchal, quis esganar Machico em tempos
idos, para depois ser esganado por Lisboa e agora vir Lisboa, de novo, lamber os tutanos ao Funchal. Lembro-me também
da violência doméstica, lembro-me das guerras de género…
Enfim,
há sempre uma bomba de Hiroshima à nossa espera. Basta adormecermos ou deixarmo-nos anestesiar. Por isso, é útil tocar o alarme de
6 a 9 de Agosto de 1945. Por isso, tal como em 1985, traduzimos hoje o grito de alerta na citada canção:
Nagasaki.
Hiroshima,
Chernobil
e nuclear
Sempre
a rebate e acima
Vamos
os sinos tocar
*
Bate
o sino pequenino
A
canção de terra em terra
Venham
jovens pela Vida
Pela
Paz e contra a guerra
7.Ago.2015
Martins Júnior
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