Ridendo castigo mores
--- dizia
o velho filósofo da antiga Grécia, aquele que fazia do riso uma arma certeira contra
os abusos dos seus conterrâneos, sobretudo dos condutores das quadrigas do seu
país. Para ele a ironia era uma escola de vida e de virtudes, mote inspirador
dos seus concidadãos.
Em
termos actuais, lá vai um desses motes em farpela do século XXI para o vasto vulgo,
a que todos pertencemos, poder dar-lhe os adequados desenvolvimentos.
Era
uma vez… a casa-mór da aldeia, palacete
herdado de aristocratas falidos, mas que fazia o valimento de todos os
fregueses que lhe batiam à porta. De quando em vez (doze a catorze vezes ao ano, pelo menos) ali passavam
benfeitores de perto e de longe, carregados de dádivas, uns traziam víveres,
outros medicamentos e ainda outros abriam livros às crianças enquanto abriam os
olhos aos pobres aldeões. Nunca “ninguém” lhes reconheceu prestígio, nem mesmo lhes
deu a mínima atenção. Por “ninguém” entenda-se o clã daqueles “tais” oficiais que
falavam, discorriam, escreviam, numa mão
a pena, na outra o badalo, estalavam os tímpanos das gentes, à força de
escoar banalidades, bonecos de feira,
rodas manhosas, barracas de arraial. Mas
àquela casa, aos fregueses e respectivos benfeitores nem sombra de poiso. Eram
carta fora do baralho na feira das vaidades dos “tais”.
Até
que um dia…uma manhã deixou a cidade em
alvoroço. A notícia espalhou-se: o Pai Natal vai ao velho palacete da aldeia.
Anafado, voz avinhada da noite, chega, descansa o cabaz dos presentes. Já à
entrada, os olheiros da velha quinta aprestaram-se a estender uma esfarrapada passadeira azul, onde uns pingos de leite
branco deixavam a marca das ovelhas acabadas de ordenhar. Escusado será dizer que
“os tais”, megafones em traje de gente, abalaram em rajada da mornaça da cidade e teimavam em enfiar
microfones e gravadores pelas goelas do Pai Natal, exausto do repasto da
véspera. Os holofotes ofuscavam desabridamente sobre o saco do velho, até que o
abriram sem pedir licença. Então o “São Nicolau”, que fizera a longa viagem desde
as longínquas terras nórdicas, começou a
distender sobre a mesa da sala grande os sumptuosos brindes: uns pares de
tripas, vinhos dourados e, sobretudo uma enorme bola de trapos, daquelas que a miudagem
usa para jogar futebol na esquina da
rua. E foi uma festa. A festa da Festa. Abraços e beijos, juras de entrega
mútua, o velho fazia que chorava de
contentamento, mas quem chorava mesmo lágrimas de ternura inaudita eram os
feitores, os olheiros do palacete, ao mesmo tempo que “os tais” --- feirantes comunicantes --- zarpavam para a
cidade onde tinham a postos os quartéis e o armamento da propaganda.
Um
fenómeno! Mais um extra-terrestre! O Pai Natal dignou-se descer à aldeia, antes
esquecida e desprezada! Durante uma semana, o foguetório abalroou as praças públicas da urbe.
Mas
quanto aos pobres aldeões, os caseiros da quinta, nada de novo: nem benesses,
nem novas nem mandadas. Tudo como dantes. Os mais velhos, sábios da terra,
meneavam a cabeça e olhavam com desdém o falso Pai Natal, à saída da quinta. E
comentavam entre dentes e sarcasmos: esta
gente não aprende nada. Tantos
benfeitores por aqui passam, tanto nos ensinam e desenvolvem, mas “os tais”
pouco ou nada ligaram, afogueados que andam sempre atrás das pegadas do Pai
Natal das tripas. Quando é que isto acaba?... Acabou a cena, mas foi o Pai
Natal que levou o saco cheio para casa.
Por qui fica a laracha, que tanto faz
rir como faz zurzir. Quem tem ouvidos de entender, enfim, que entenda. E dê
largas ao mote aqui deixado, na sequela
do velho filósofo grego: Ridendo castigo
mores!
03.Dez.15
Martins Júnior
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