Não
obstante os múltiplos e momentosos acontecimentos da segunda metade do mês de
Novembro --- posse, a ferros cavaquistas, do novo governo; ataques jihadistas em Paris; cimeira de 140 líderes mundiais no COP21
sobre o ambiente; 1º de Dezembro da Restauração em Portugal; taça das nações e
campeonatos nacionais e regionais que dominam a opinião pública --- apesar de
tudo isso, não pode ficar nos bastidores
do grande teatro do mundo actual o périplo do Papa Francisco ao continente
africano. Verdade se diga que os braços
e os dedos do argentino tocam todo o planeta e todos os dias mexem connosco,
tornando-se quase que um lugar comum a evocação do homem mais corajoso deste
início do século XXI. No entanto, SENSO&CONSENSO não pode perder a visibilidade da grande
paisagem e faz questão de colocar na ribalta do tempo essa aventura, símbolo
vivo do que de mais nobre, vigoroso e construtivo é capaz de conceber a mente
humana.
Apenas
três breves mas eloquentes gestos de
entre a grande mensagem de Francisco Papa:
1º - A
coragem de alguém que conhece bem o
risco da própria vida em que incorre,
acrescido de prenunciadas ameaças de morte. O atávico fogo posto, de há muitos
anos, naquela região do continente africano, as “minas e armadilhas”
secretamente escondidas no seu percurso, as lutas fratricidas entre muçulmanos
e as rivalidades ideológicas contra os cristãos, nada nem ninguém conseguiram
travar os passos decididos de um homem de paz. Deu o corpo à balas, afrontou os
mitos, fez quebrar diante dos próprios olhos os ódios e as armas. Ele, o grande
combatente, intrépido, confiante!
O
episódio, verdadeiramente estremecedor, foi aquele, ocorrido em Bangui, a capital massacrada da República Centro-Africana,
em que ele atravessa o cerco com que as
milícias cristãs mantêm no mais vil cativeiro uma comunidade muçulmana para abraçá-la e dizer que entre
cristãos e muçulmanos deve imperar a relação entre irmãos e irmãs, num gesto
ímpar que arrancou ao ancião Idi Bohari este desabafo público: ”Pensávamos que
todo o mundo nos tinha abandonado. Ele (Francisco Papa) também nos ama a nós,
muçulmanos, e estou muito feliz com isso”. Único e incomensurável!
2º - Na pátria do Idi Amim, de execrável memória,
nesse antro de gritantes assimetrias sociais, o sereno mensageiro das causas
pacíficas não se conteve que não proclamasse à África toda, ao mundo inteiro, a Lei dos
três “Ts”: “Terra, Tecto e Trabalho. Não por caridade ou filantropia, mas por
direito próprio”! Sobre o vulcão das desigualdades o Nosso Homem não
hesitou em içar bem alto o pregão e a bandeira da Justiça. Aos ouvidos de
muitos, aos meus também, soou como o grito clamoroso de outra época: “Proletários
de todo o mundo, uni-vos”. Pelo direito
ao pão, à casa, ao salário justo. Simultaneamente, ecoou no meu subconsciente o
normativo do Mestre na Montanha: ”Felizes os que têm fome e sede de Justiça.
Esses são os do meu reino”.
3º - Como
quem possui o dom da ubiquidade, o Argentino, incarnação do intelectual jesuíta e do sensível
franciscano, demonstrou a inteligência esclarecida e a mais fidedigna coerência quando enviou os seus sapatos para a Praça da
República em Paris, afim de juntar-se aos 22.000 que lá estavam, em silenciosa manifestação de apoio
ao COP21, em defesa do clima. Expressão
inexcedível da grandeza de alma de alguém de quem este Planeta precisa como de pão para a boca,
como de paz para o mundo. Coerência,
aliás, com a proclamação do Código ecológico universal da encíclica Laudato Si, que ele próprio subscreveu
na mensagem colocada sobre os “sapatos cambados”.
O
entusiasmo e a homenagem ao Profeta e Líder
do nosso tempo contrastam com a passividade inculta dos nossos bispos, mais escandalosamente a
nível regional, que se deleitam em jantares com Cavaco Silva na Madeira e com o
ofício de “festeiros” nas festas do verão e de “parteiros” nas regionalíssimas
missas do parto no inverno?... Quando é que estes homens acordam para a vida e
para a missão?... Quando é que terão a coragem de concentrar-se seriamente no seu mandato de abrir clareiras
de Justiça por entre as trevas das desigualdades acobertadas pelo
assistencialismo farisaico? … Quando é que, finalmente, se resolvem a
alistar-se na militância de Francisco Papa?
01.Dez.15
Martins Júnior
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