“Porque
hoje é sábado, amanhã domingo” --- diria
com Vinícius de Morais --- a leitura é breve e, com ela, breve será a escrita.
E também porque há um quase-tédio deslizante nestes dias em que oficialmente só
se fala de contas, cifras, deficits, tratados orçamentais. Sinto-me, pois,
metalizado, cifrado, taxado. Em parlamentos e gabinetes executivos, só se ouve
falar em Programas, Orçamentos e “almofadas” financeiras, mesmo fugazes ou
inexistentes. Não sei se o mesmo se passa com o comum dos cidadãos, mas o facto
é que chega a provocar carradas de tédio e descrédito o ruído sem tréguas que
nos massacra os ouvidos e a mente nestes
que são os últimos dos trezentos e sessenta e cinco dias de 2015.
E
se sairmos dos corredores governamentais
para a praça pública, o rumor dos metais
sonantes barra-nos o caminho para onde quer que vamos. São as IPSS, são as
Misericórdias, são os Bancos, são as Empresas. As tarifas,
os transportes, as alcavalas à-última-hora
sobre contratos já escriturados. Sempre o garrote dourado do lucro a passar-nos
a laçada pelo pescoço!
É
verdade que tudo isso é pão nosso de cada dia, sem o qual a vida não
marcha. No entanto, por favor, parem um
pouco. Dêem-nos uma luz ao fundo do túnel. Soltem-nos desta prisão que tem
tanto de prata como de imundície e corrupção. Cantem-nos, ao menos, uma melodia dos natais longínquos… Mas, que digo eu?! Outra vez tropeço. No Natal, Porque o Natal,
também ele, está inquinado de polvilhos
mercantis, trocas e baldrocas, fitas desencarnadas, meros formalismos
comerciais. Aliás, o Papa Francisco foi quem, um dia destes, falou dos desperdícios
supérfluos, fogos fátuos, em que se transformou o Natal.
E
lá aparece a religião ou as religiões a
acompanhar a banda. Vem de longe este instinto da economia financeira apoiada
em princípios religiosos. Recordo o “espírito do capitalismo” ou a “ética
protestante” de que nos fala Max Weber, citando Benjamin Franklin: “O dinheiro
pode produzir dinheiro que, por sua vez, produzirá mais dinheiro, e assim
sucessivamente…. Um homem não pode negligenciar que as mais pequenas acções têm
influência sobre o seu crédito financeiro”,
a cujas máximas Kumberger acrescentou: “Do bezerro faz-se sebo, das pessoas
faz-se dinheiro”.
Não
pretendo ir tão longe nesta incursão sobre o “capacete” metalizado que
governantes e especuladores nos envolvem e, se possível, nos querem sufocar.
Apetece repetir a velha máxima: “Nem só
de pão vive o homem”. Vive de ideais, de sensibilidade, de amor, de poesia. Enfim, alimenta-se de sonho e utopia. Mesmo
que a turba ignara lhe chame “loucura”. Faz
falta ouvir um outro canto novo, que nos
traga nesgas de esperança não na barriga opulenta ou no maço de notas avaras, mas no espírito
que toca mais além, que “vê o invisível” e faz descobrir dentro de nós e no
abraço universal um sentido maior de aqui estar. Sob pena de nos destruirmos,
sem nunca alcançar o trono para que fomos feitos.
Já
que falei em “utopia”, ninguém como Fernando
Pessoa poderá informar-nos:
Minha
loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura, que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?
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05.Dez.15
Martins Júnior
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