Não
há rotativa que imprima nem “câmaras”
tão vastas que fixem a profusão incontida de emoções que pululam do coração da
ilha, desde as ricas urbes até aos mais ignotos lugarejos perdidos nos vales
côncavos da nossa paisagem. Para a comunicação social oficializada contam
apenas os feitos e enfeites mercantilizados, a opulência propagandística das
entidades promotoras, enfim, a carcaça despersonalizada das cidades que, por
mais deslumbrantes que se apresentem, não deixam de ser carcaças iguais a todas as
outras, de um outro hemisfério. Na
sombra, como se fossem campo morto, ficam as iniciativas nadas e criadas na
alma das gentes, sobretudo, nas periferias das grandes capitais. E é
precisamente aí que o Natal transborda, generoso e sem limites, numa maré cheia
que nos invade de um delírio extasiante,
quase místico, até ao mais íntimo de quanto somos. A razão de ser desta mágica transfiguração radica na sua fonte
secreta: a inspiração criativa dos seus artífices e usufrutuários --- o povo,
as crianças, os jovens, os artistas locais, os pais, os filhos, famílias e
vizinhos, todos simultaneamente autores e participantes. Os media não se
interessam em divulgar e, com isso, apenas sobreelevam a autenticidade plena
das iniciativas.
É
o que tenho presenciado e vivido nesta faixa leste da ilha da Madeira, terra da nossa pertença, onde o sol nasce
primeiro. Muitas e variegadas manifestações deste teor têm-se repetido ao longo da quadra natalícia. Quem
assim vive inebriado do bucolismo solto e puro --- “puro como os bosques e doce
como as donzelas”, diria Ruy Belo --- esquece o barroco dos mais sofisticados
ambientes.
Acabo
de participar, agora à noite, num oásis
de frescura surpreendentemente matinal, no Forum Machico, oferecido pela
Associação “Grupo Coral de Machico”, juntamente com a centenária “Banda
Municipal de Machico”. Outros dirão que não há aqui a sumptuosidade dos teatros
clássicos ou o requinte de uma Broadway.
Mas tal como desabafava o cardeal
português Gonzaga, do nosso Júlio
Dantas, aqui, como é diferente o amor deste Natal!… Logo na ribalta o friso de
gerações, “ensemble” juvenil de guitarras e o coro infanto-juvenil, Tuna da
Banda Municipal, logo seguida dos quarenta consagrados coralistas, um trabalho
feito com distinção e afecto pelo maestro Nélio Martins, quer no seu conjunto
vocal, quer nos solistas, de exímia interpretação.
Acoplando
o aforismo latino Finis coronat opus (“ o fim é a coroa da obra toda” ou,
em linguagem popularizada, “a cereja em cima do bolo”) surge, imponente, a
actuação da Filarmónica. Embora seja batida a adjectivação, mas apraz-me
trazê-la a este contexto: Fabuloso é o menos que se pode dizer!
Oh, o rio visceral que percorreu corpo e alma da casa cheia desta noite”… Oh, a
torrente avassaladora dos metais que nos fizeram transportar para a grande
paisagem que a lua iluminava na terra e no mar!... A Cassiopeia, do compositor Carlos Marques, não deixou nenhum
espectador agarrado à cadeira, com a Banda dirigida por Miguel Canada e, depois,
com orquestra e coro sob a condução
de Nuno Santos. Foi oportuna a iniciativa
de tornar gratuito o espectáculo, pois nenhum preço pagaria tão preciosa “prenda”
de Natal e Fim-de-Ano. Impossível esquecer o Ave Maria, de William Gomez,
com orquestração de Simone Nucciotti e superior interpretação de Cristina de
Sousa.
O
melhor aplauso não veio das prolongadas palmas, mas do “brilhozinho nos olhos”
de quantos dali saíam, como quem sai de um banho de espuma marinha, mais leves,
mais livres. Da minha parte, o reconhecimento ao director da BMM, prof. Manuel
Spínola e, embora ainda ausente (que volte depressa!) ao maestro Nelson Sousa. De registar o apoio da Câmara e Junta, cujos titulares ali estiveram,
como é seu dever e seu hábito, no exemplo a transmitir à comunidade de Machico..
Fico sabendo que amanhã, dia 30, idêntico
acontecimento será levado ao palco por uma outra organização local. Parabéns!
Bem hajam todos os promotores. É com iniciativas autóctones, por mais modestas ou desapercebidas da Grande Reportagem,
que se semeiam, como chuva miudinha arroteando os campos, a cultura e a civilização de um Povo.
29.Dez.15
Martins Júnior
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