Abracei a árvore da
Primavera. E logo dos seus ramos seculares caíram cem estrelas, uma a uma
luzindo nos meus braços.
Poderia começar assim o
poema que ontem, domingo, na transição do equinócio solar, aconteceu no seio
desta comunidade da Ribeira Seca. Diante dos nossos olhos – e foram muitos,
muitos – desfilou o mistério da Vida: desde o cordão umbilical preso à
terra-mãe até aos nimbos que se evolam na longínqua estratosfera. Vimos todos
passar a Primavera viajante ao longo das cem estações do Tempo. E que beleza,
com sabor a nostalgia e renascença, que profundidade no olhar de quantos
contemplaram a latitude e a longitude plenas da existência humana!
Não me apetecia descer
deste voo espacial que nos proporcionou aquela hora de encantamento. Mas é
preciso decifrar e transmitir o
simbolismo deste dia estruturalmente ímpar, para multiplicar o êxtase e a
poesia entre todos os que se juntam ao redor desta mesa em que, dia-sim-dia-não,
nos encontramos.
Estou descrevendo a
emoção que me envolveu no templo da Ribeira Seca durante a comemoração de três
efemérides entrelaçadas num só tronco - a Primavera da Vida:
Foi a celebração do centenário da nossa vizinha e paroquiana
Dona Guilhermina de Olim. Depois, o baptismo do Marcy, de cinco anos de idade.
Trinta minutos após, novo baptismo, a Mariana, de um ano apenas.
Quem seria capaz de ver
este “filme” gradativo sem sentir-se
transportado mais alto e mais além?! Ter ali, na nossa mão e no nosso olhar, os
pontos cardeais da condição humana!... Adivinhar e tocar a eloquência daquelas
rugas que, há cem anos, exalavam a candura matinal de uma vida em botão ! ... E,
à mesma luz, prognosticar os passos futuros de quem agora vê diante de si as
pegadas que outros já pisaram na vida!... Até quando? Cinquenta?... noventa?...
até aos cem e talvez mais?... Misterioso o GPS de cada existência, mas tão
igual nos seus princípios e fins! Aqui apetece evocar Fernando Pessoa: “Para
escrever a minha biografia bastam duas datas, a do meu nascimento e a do meu
fim, tudo o resto é meu”. De quem fez cem anos, já sabemos o que foi “seu”. E
qual será o de quem balbucia as primeiras
boas-vindas de um incógnito amanhã, aberto à sua frente?
Exaltante e enternecedor
abraçar os polos dos dois hemisférios existenciais! Concluir que, afinal, somos
todos atletas olímpicos correndo num
mesmo estádio, em que os que vão entregam aos que vêm o facho luminoso da História.
Afinal, “nenhum de nós é uma ilha”, repetindo Thomas Merton. Pelo contrário,
somos todos UM SÓ, no incomensurável cortejo do Tempo, umas vezes subterrâneo
amargo, outras vezes solarengo e triunfal “como em Dia de Domingo”!
E foi no Domingo das
Palmas esta ditosa chuva de Primaveras. Domingo evocativo da entrada em
Jerusalém, onde a força de um Povo Unido suplantou os carros de guerra, as coortes romanas e os arsenais de ouro e prata com que
os poderosos maquinavam assassinar o Profeta da Libertação e da Vida.
Celebrar no mesmo abraço um ano, cinco anos, cem anos, é
também erguer a vitória de um Povo, fruto da sua vitalidade primaveril, sempre
antiga e sempre nova!
Parabéns à Vida!
21.Mar.16
Martins Júnior
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