Passeasse hoje o monóculo do nosso
Eça pela baixa da capital e, de novo, sentenciaria: Afinal continuamos como no
século XIX, “Portugal é Lisboa, o resto é paisagem”. Nunca foi tão
adejada e badalada a estreia de um Presidente da República, a sua entrada
triunfal e triunfalista - com manga franciscana de poupadinha e sem jantares de
gala, anunciava o anfitrião - mas quem
contasse as viagens e ajudas de custo que as centenas de convidados especiais
custaram aos erários públicos de origem, a vulgarização do evento (extensão ao vulgo)
e sua proletarização (concertos grátis à plebe na Praça do Município) ver-se-ia
que a factura do arraial não foi assim tão modesta. Será talvez a nova imagem
de marca: substituir os salões palacianos pela calçadinha das ruas e praças
públicas. Em 10 de Junho, já está na agenda, Portugal será Paris e o resto
paisagem.
Presidência
nova, sem dúvida, mas sempre Presidência. Não será rábula o que proponho fazer,
mas anda por aí perto: desfibrar o tecido de sempre, chamado Presidente e
Presidência. Tem algum interesse e não menos piada.
Presidente (do latim praesidere=estar
sentado à frente) significará aquele que agarrou a poltrona do poder e ali fica,
extático, majestático, como o Filho que não se cansa “de estar sempre sentado à
direita de Deus-Pai” ou como o conselheiro Acácio que lhe basta estender o
braço lento para provar o seu presidencialismo autoritário. Temo-los por tudo
quanto é canto. Curtidos, anafados,
guturais e ocos como latas vazias que crescem na mesma proporção do vácuo do seu
cérebro. Então se têm dons clericais ou afins, mais alargados e pesados se
tornam com a mitra de presidentes canónicos. Todos por junto, são os que nascem
deitados para presidir sentados.
Mas outros há que se cansam do sofá e põem-se num alvoroço
de parafuso eléctrico, saltando, gesticulando, perorando, ora na aldeia, ora na
capital, ora no estrangeiro, não há quem os pare, pulam num ápice da
inauguração da bomba de gasóleo para os urinóis do balneário do clube e, daí,
em arroubos de exaltação febril, correm ao concerto para criancinhas
desfavorecidas. “Barco parado não ganha frete”, isto é, não ganha votos, comenta-lhes
o povo nas traseiras presidenciais. Estes são iguais aos primeiros: presidentes
automáticos que com o ruído escondem o vazio de ideias.
Nascidos na mesma ninhada dos “eléctricos” surgem os que,
elidindo o id, em vez de presidentes, tornam-se presentes. Em tudo. Ubíquos, pidescos, temerários nos juízos, nada deixam
escapar ao cutelo do poder. Como zombies artesanais
ou drones de fábrica, seduzem,
controlam, ameaçam. E matam. Ou seja, vingam-se, saneiam quem lhes atravessa no
atalho.
Nem tudo, porém, lhes corre de vento em popa. Porque no
mesmo signo etimológico de praesidens (presidente) está uma
armadilha chamada praesidium (prisão).
Não foi por acaso que o estreante inquilino de Belém teve necessidade de, na ultima lectio, dizer aos alunos de
Direito: “A mágoa que levo é a perda da minha liberdade”. Com maior ou menor
autenticidade, o facto é que o meio ecológico de um presidente é um presídio.
Prisão, onde as grades são as responsabilidades, por onde entra o ar puro do
interesse público, aquele bem-estar que lá fora espera a população constituinte, autora do seu
mandato. Por isso, todo o verdadeiro presidente deveria aspirar àquele
horizonte de que falava Gilbert Cesbron: “A minha prisão é um reino”. Se assim
não for, aguarda-o uma outra prisão, essa humilhante, como se tem visto nalguns
casos bem conhecidos.
Poderia encerrar esta digressão pela galeria de presidentes,
aproximando a popular expressão precedente,
a qual, parecendo uma corruptela de linguagem, acaba por encerrar um sério
aviso a quem alcança o patamar superior da governação, seja local, regional ou
nacional. Na sua raiz originária, preceder,
ao mesmo tempo que indica prioridade, significa também ceder o lugar (cedere, do latim) afastar-se. Sem mais
delongas, o aviso aos presidentes é aquele a que já me referi em circunstâncias idênticas - a canção do “SG
gigante” (Sérgio Godinho, como o cognominou o Prof. Arnaldo Saraiva): “Hoje é o
primeiro dia do resto da tua vida”. Da tua vida de presidente. Queira ou não
queira, o senhor precedente terá, um
dia, de dar o lugar a outro.
09.Mar.16
Martins Júnior
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