Não era este o tema que reservei para terça-feira de
Páscoa. Creiam, mesmo, que as mãos me pesam mais que noutros dias sobre este teclado
de notas alfabéticas. A qual músico e a qual ouvinte agrada tocar ao piano
repetidas dissonâncias ou escutar cacofónicas percussões?
Por
isso, quero ser breve. Desde logo, pela motivação
circunstancial que amigos meus me trouxeram acerca de um incidente ocorrido numa das
pacatas nortenhas paróquias da Madeira onde foi solicitada a PSP pelo respectivo jovem
pároco. Perante a minha quase indiferença
em relação à notícia (para mim, mais do mesmo) fiquei amarrado à “provocação”
dos meus amigos interpelantes: “Então não reage? Vai fazer o mesmo que a
diocese que se esconde sempre nos silêncios cúmplices?”
Aqui vai, pois,
uma pequena amostra do que penso e
sinto.
A
Diocese, no feminino (em francês é masculino, le diocèse) é uma entidade abstracta, sobretudo entre nós, ilhéus.
Não tem rosto, duvido que tenha alma, pelo menos, alma evangélica. Quando é
chamada à colação, não reage. Usa uma arma
secreta: o silêncio dos cemitérios. Entretanto, ela reconhece-se pelo corpo, nas suas
estratégicas aparições, nas paradas
espectaculares, nos jantares e inaugurações governamentais, nos arraialescos festejos de verão e nos
partos litúrgicos pré-natais. De longe dá nas vistas pela anafada cinta
vermelha e pelo régio brilho de uma cruz dourada, à imagem e semelhança dos
brasonados oficiais do reino.
Falo
do que se vê a olho nu. E de mais alguma coisa que vi, sobretudo, nos três últimos
titulares madeirenses, de entre os sete que conheci como inquilinos do Paço.
Confrange-me -.mas não afecta a minha fé no Cristo Nazareno, anti-sinagoga e
anti-diocesano – sim, confrange-me olhar a paisagem. Numa ilha pequena, Madre das Cristandades de
outrora, onde nos tempos mais recentes tem reinado a prepotência política, o
favoritismo, a mediocridade e o nepotismo, esperava-se (e os madeirenses
mereciam) um pastor verdadeiro, cuja mitra fosse cultura e talento e cujo
báculo fosse “chicote no templo dos vendilhões” e, por outro lado, arrimo seguro
para os mais débeis do seu rebanho, os proscritos dos poderes mundanos. Em vez
disso, porém, coube-nos a sorte de uma diocese, corpo sem alma lá dentro.
Diocese-Instituição. Há modestas autarquias rurais com melhor e mais
responsável sentido de liderança, vigilante e humanista. Talvez até simples
associações e colectividades de bairro, porque têm alma e dão o corpo às balas,
em defesa da Verdade que professam.
Pelo
que acabo de dizer, nada me espanta o “lavar-de-mãos na bacia de Pilatos” por parte da Mitra. Ê mais do
mesmo. Um eclesiástico subalterno entende transgredir as mais elementares
normas urbanísticas, outro espuma retaliação contra uma instituição centenária
e exclui-a da igreja-mãe a que sempre deu colaboração; este chama a polícia,
aquele abre-se aos apetites políticos de um governo que lhe faz obras
faraónicas, inúteis – e onde está a Diocese? No retiro dos cenóbios ou na paz
dos sepulcros. Um bispo toma conta de uma quinta, legado pio para abrigo dos
sacerdotes na sua velhice – e que diz o hierarca diocesano? Zero!
Termino
já, porque não me conforta nada pôr a secar na via pública o estendal de roupa
esfarrapada que não aquece a nudez de ninguém.
Ficaria,
porém, incompleta a mensagem aos meus amigos interpelantes deste dia 29, se não
citasse a resposta da Diocese – a mesma entidade sem rosto, não se sabe quem
responde, se o Chefe ou se o vice - que
ofereceu como antídoto e consolo, no caso da paróquia nortenha, uma receita de
“misericórdia” perante duas devotas que, a
pedido do jovem pároco, a polícia
devia expulsar da igreja.. Misericórdia! É o que está na moda neste ano de
abrir de portas. Nem me apetece comentar. Seria uma boa deixa para Dante
escrever uma outra versão da “divina comédia”, revista e actualizada.
Misericórdia!
Não brinquem nem nos tomem por tolos. Terá sido por “misericórdia” que a
Diocese deu aval ao Governo Regional para mandar 70 (setenta) polícias atacar e
esvaziar a igreja da Ribeira Seca, em 1985?... Foi por “misericórdia” que
cortou a essa igreja a venda das hóstias para a Eucaristia?... Foi também por
Santa “misericórdia” que não deixou entrar nessa igreja, em 8 de Maio de 2010,
a Imagem Peregrina?... E será por que carga “misericordiosa” os bispos da
Madeira, há 42 anos, não têm força para administrar o sacramento do Crisma na igreja
da Ribeira Seca?..
Misericórdia,
Papa Francisco – dizemos nós. Quem tem ouvidos de ouvir, entenda. Quem tem olhos de ver, interprete os
factos.
O
que nos dá força é que há mais Vida além da Diocese. O que nos vale é que há
mais Cristo além da Mitra.
29.Mar.16
Martins Júnior
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