É
da praxe, hoje e amanhã, pintar de
feminino as páginas e os portais de tudo quanto é editorial. Porque estamos na
envolvência do artificioso Dia da Mulher.
Chamo “oficioso”, interpelando-me, a mim e ao mundo, se todos os dias e todas as horas não lhe
pertencessem, a ela, princípio activo da Vida! Vou, pois, trazê-la para a nossa
tertúlia afectiva desta passagem de nível de 7
para 8 de Março.
Mas
não é só – nem tanto – por isso. É também pelo mesmo impulso de entrar, com olhos
de ver, no Processo de Jesus,
continuando a exposição do dia 25
de Fevereiro. Tentarei perceber qual o papel da Mulher em toda essa tramitação.
Não serei, certamente, coincidente com as interpretações mórbidas da devoção à deprimida “via-sacra” com que a tradição trata as pegadas do Caminho da Cruz. Porque o
que me atrai é a análise objectiva dos factos , no seu concreto e rigoroso contexto
histórico-social.
Por
esta pista, penso alcançar a visão exacta da Mulher: uma personalidade firme, coerente, inquebrantável, a que o pulsar do
coração imprime aquela razão de que “o amor é mais forte que a morte”. Para aí chegar, situei-me numa das colinas da
Jerusalém do ano XXXIII, olhei a
paisagem sócio-político-religiosa da época em que a ditadura do Templo
ombreava, senão mesmo, suplantava a ditadura do Império. O nazareno “Filho do
carpinteiro” mestre José, além de servente de oficina, um proletário portanto,
era tido aos olhos dos dois poderes como um perigoso agitador público. Não tinha
exército, não tinha púlpito, não tinha
banca. Nem o traje o diferenciava da “arraia-miuda”
do seu tempo. Por isso, tinha contra si a omnipresente vigilância do estado
romano e do estado judaico, eram marcados os seus fãs e só não o liquidaram
mais cedo porque o seu escudo estava na multidão crescente que dia-a-dia o
acompanhava. Ao mínimo sinal de dispersão, caíam-lhe em cima. Ontem como hoje,
os ditadores temem o Povo unido!
É
aqui mesmo que entram as mulheres de Jerusalém. Quantas delas se não deixaram
fascinar pelo olhar meigo e vigoroso do Nazareno, pela sua palavra penetrante e aconchegada?!... No
emocionante texto d’O Processo de Jesus,
Diego Fabri revela um dos mais convincentes libelos acusatórios, o que foi atirado por Caifás “Esse
homem é um sedutor das multidões”.
Mas na hora das trevas, desde aquela noite trágica em que traiçoeiramente foi denunciado e entregue às
garras do poder, todos os “amigos do peito” dispersaram, um deles até, transido de
medo, jurou que não o conhecia. Quem
ficou? Quem o acompanhou até ao patíbulo?... As mulheres. Primeiro a Mãe, que deu com ele
numa das empoeiradas ruas da velha cidade, abandonado aos jagunços contratados
pelo poder. Os dois olhares, que dolorosamente se cruzaram, foram como dois
rios que, em vez de correr para a foz do desânimo, ganharam força hercúlea para
subir à nascente, às fontes do monte Calvário.
Depois,
veio a “Verónica”, designação que passou a identificar aquela mulher anónima
que teve a suprema ousadia de romper o pelotão dos soldados e carrascos afim de
limpar a face irreconhecível daquele que sempre o conheceu, de porte atraente e
afável, compreensivo e bondoso para todos. Não consigo passar adiante sem
demorar-me nesta sexta estação: aquela mulher, coração de gigante, não
consentiu no que via, furou a muralha de
ferro bruto que esmagava o condenado e apresentou a arma que a todos deixou
estarrecidos: uma toalha de linho puro a restituir-lhe o rosto de outrora. Eu
faço ideia dos empurrões, dos insultos e palavrões de caserna, vociferados
contra ela e o seu Mestre. Mas não hesitou. Vejo nela uma Joana d’Arc, uma
Maria da Fonte, uma Catarina Eufémia! Mulheres de luta e de coragem!
Outras
mulheres, nos quintais e nas portas entreabertas das suas casas, com medo das
retaliações dos olheiros do poder, ou acompanhando na retaguarda o lúgubre
cortejo, enxugavam furtivas lágrimas de compungida indignação. A essas o Mestre,
em agradecimento, ditou-lhes a palavra
de ordem que até hoje nos é dirigida: “Não
choreis por mim, mas pelos vossos filhos” (Lc.23,28), o mesmo que dissesse:
“Por mim e do que me fazem, ninguém
pene, ninguém se indigne. Indignai-vos, antes, pelo que os poderosos vos fazem
a vós e pior farão ao vosso Povo”. Mais que as choronas "devotas", o nosso J. Cristo,
quere-as, as mulheres, intrépidas e lutadoras.
Até
ao último suspiro, como se fossem estátuas vivas da Dor, lá estavam elas,
sempre as mulheres: “Sua Mãe, a irmã dela,
Maria de Cléofas, e Maria Madalena” (Jo, 19, 25). Dos homens, dos Doze, nem
sombra. Todos se acobardaram, excepto o mais jovem, João, filho adoptivo de Maria. E, para
recebê-lo nos braços, já morto, sempre uma mulher, a Mãe, líder inspiradora e silenciosa
da luta do seu Filho!
Por
isso, mereceram as mulheres erguer, como pioneiras bandeirantes, a grande
mensagem da Vitória na manhã da Páscoa do Ano XXXIII.
Mulheres
que vêem e entendem. Mulheres que lutam e libertam.
Mulheres
de ontem!
Mulheres
de hoje!
Mulheres
de sempre!
07.Mar.16
Martins Júnior
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