sexta-feira, 11 de março de 2016

CARTA FORA DO BARALHO? OU TALVEZ NÃO!



Sei que hoje, sexta-feira, arrisco-me a ser carta fora do baralho. Deste baralho bailado do quotidiano. Hoje,  não me detenho em nenhum trunfo,  nenhum  “tiro”  jornalístico por mais vistosos que se apresentem. É verdade que alguém tem de publicitar, outrem terá de comentar, os leitores/espectadores precisam de quem lhes dê sinais de trânsito na encruzilhada dos acontecimentos para saber interpretá-los e direccioná-los.
Mas hoje, não. Deixo a casuística de lado, volto as costas ao foguetório das notícias fugazes e entro na galáxia dos tempos. E sinto-me outro, siderado, espraiado num mundo outro, o qual, sendo nosso, chega a  parecer estranho. É o que acontece a quem viaja: não tem lugar onde colocar o televisor, não tem tempo para assentar o olhar na almofada do papel escrito. É um andar sem parar, a não ser quando se espera pela saída do avião ou o atraso do comboio. E é aí que outros ares podem refrescar o nosso entendimento, repousar a vista e a mente. E é aí, também, que vêm à tona do quotidiano os estados de alma.
         Peço e agradeço  a paciência de partilhar comigo o estado de alma de quem, aguardando o toque horário, entrou numa dessas bibliotecas de circunstância a que chamam feira de livros, informal e aberta todo o ano, ali mesmo, à mão-de-semear. Primeiro, timidamente, quase que assustado perante a vastidão do recinto e depois, seduzido como um adolescente pelo rosto aliciante de cada título, o seguinte mais persuasivo que o anterior. Entra-se na galáxia de novos sóis e novos séculos. Apercebemo-nos de miríades de estrelas, gente que povoa a amplidão do universo a que pertencemos, de quem nunca nos foi apresentado mas está ali convidando-nos a entrar em sua casa, no seu pensamento, no seu coração. Uns são poetas de antiquíssimas civilizações, outros dramaturgos, outros cientistas e recriadores da vida. A ansiedade cresce - uma ansiedade positiva que tem um misto de êxtase e nostalgia por não termos hipótese de aceitar-lhes o convite, de nos sentarmos à sua mesa e beber, beber até à exaustão os rios da inspiração, a história de outras vidas que, mesmo distantes, se cruzam com as nossas. Ali se sente na pele a lógica do velho aforismo, retomado por Goethe, no seu “Fausto”: Ars longa, vita brevis – “a tarefa é imensa, mas a vida é tão breve”. Só de imaginar que os anos passam e nunca teremos oportunidade de entrar em contacto com os que outrora, ontem e hoje, nos escreveram  e ainda permanecem, aperta-nos um travo de culpa e de mágoa por não termos tido o bom apetite ou o tempo disponível para saborearmos o maná garantido que nos foi legado, ali na palma da nossa mão. Vamo-nos perdendo pelas esquinas do quotidiano, baralhados entre notícias frouxas, ocasionalmente fascinantes dos casos do dia, mas que rapidamente se esfumam na vertigem das horas. Seria preciso um nutricionista do espírito para nos ensinar a preferir os produtos psico-biológicos que alimentam a personalidade e nos fazem descodificar a sinalética das  encruzilhadas da vida.     
         Apetece ficar todo o tempo neste imenso rectângulo, até perder o comboio. Apetece trazer num braçado festivo a herança viva dos companheiros de estrada que nos precederam e assimilar as mensagens que ao nosso telemóvel projectam os viajantes da nossa era.
É certo que não nos podemos alhear do que se passa à nossa volta. Certo é, também,  pesquisar  noticiaristas, opinadores, intérpretes do actual momento histórico.  Incontornável a consulta de e-books, ipads, net e afins. Mas é deplorável a opção do descartável que domina a cultura,  até nos programas escolares que menosprezam os mestres da nossa “Pátria – a Língua Portuguesa”. Em contrapartida, quanto nos conforta e mobiliza ver jovens (e não são tão poucos) frequentadores estudiosos, aprofundando o conhecimento nas salas de biblioteca!
         Não era minha intenção moralizar, mas tão-só alargar um “estado-de-alma”  que voltou a dominar-me na feira corrente da estação ferroviária. Para ser coerente comigo mesmo, seria preferível propor a leitura de um livro essencial, em vez da folha volante destes “dias ímpares”… Fique, ao menos, a mensagem estruturante aqui entregue.

11.Mar.16
Martins Júnior

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