Era
um poema de Sofia…era uma sinfonia de Mozart,, uma escultura de Rodin, um
quadro de Rembrandt… era tudo isso e muito mais que eu queria plasmar nesta
noite tropical. Estando aqui perto,
também estou lá longe, no Rio, em Guanabara, no apoteótico Maracanã.
E
o poema é a dança em espiral dos corpos ondulantes… a sinfonia é o ritmo cadenciado
de quem corre ligeiro nas pistas do estádio… a escultura é a bola multicolor do
voleibol sentado, enfim, o quadro é o Olimpo dos deuses onde brilham como
coroas de estrelas todos aqueles que souberam mudar a fatalidade em oportunidade, fizeram do seu pranto um
cântico de magia… e o que fora uma inexorável descida aos abismos
transformaram num voo triunfal directo às alturas!
Olho os Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro.
E penetram em mim duas correntes de ar puro – uma, fria de gelar e a outra,
quente de sonhar. Num relance superficial e fugaz estremeço perante os corpos
que desfilam, fisicamente diminuídos, parcialmente amputados daquela pujança homérica dos corpos perfeitos. Um deles poderia ser o
meu… Mas no decurso do certame, uma onda maior traz-me o calor contagiante do
quanto pode a força humana, sacode-me os neurónios o milagre vivo – mais um! – da
energia anímica que dá asas aos membros decepados e faz abrir dentro de nós a
fonte da esperança renascida, daquela que não se deixa enrodilhar na manta
escura do desânimo, senão mesmo da depressão sem retorno. Confesso que me
enternecem e, ao mesmo tempo, me alavancam o subconsciente latente activo as
diversas provas em que participam os heróis paralímpicos. Chamo HERÓIS, estes
maiores que os outros que os precederam. nos JO/16. Porque foi preciso um poder cerebral muito
maior e uma vontade indómita para superar
os obstáculos das fatalidades supervenientes no dealbar da juventude. Bem andou,
pois, o governo português fazendo-se
representar pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues e pela Secretária de Estado
da Inclusão das Pessoas com deficiência, Ana Sofia Antunes, a primeira
governante invisual do país.
Mais
vasto, porém, é o mundo dos Paralímpicos de outras esferas do saber humano. Trago
ao universal Maracanã da História tantos outros que investiram o melhor de si
próprios, “mais do que prometia a força humana” (Lusíadas, Canto I). Nas praias da Grécia Antiga lá estava Demóstenes,
tartamudo de nascença, metendo calhaus na boca para vencer a gaguez e tornar-se mais tarde no Príncipe da Oratória Helénica. Vejo passar
Beethoven que, no tormento da surdez, compôs a magnífica “Quinta Sinfonia”.
Penso no poeta Jorge Luis Borges, cuja cegueira lhe abriu paisagens infinitas.
Dou mais uns passos e, aí perto no Brasil, contemplo em 1972, extasiado e mudo,
(estou a vê-las) as estátuas monumentais
em pedra-sabão que os braços paralisados do “Alejadinho” (António Francisco de
Lisboa), filho de mãe escrava e atacado de doença degenerativa fatal, deixaram imortalizadas, desde o séc.XVIII, no
átrio do templo de Congonhas, São José do Ouro Preto. Actualmente, emerge, sem
sombra de dúvida, o conhecido físico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, a
quem a esclerose lateral amiotrófica não impediu de alcançar o topo dos
cientistas vivos.
E aqui na Madeira, vejo o nosso dramaturgo
Baltazar Dias que, mesmo pobre e cego, nos legou, desde o séc.XVI, as peças de teatro, sobretudo os
Autos, largamente representados em Portugal e no Brasil. Mais forte e impressivo, porque junto de nós,
aqui e agora, agiganta-se, como um facho olímpico, a beleza coreográfica do “DANÇANDO COM A DIFERENÇA””, do grande criativo Henrique Amoedo, benemérito
da Ilha, que ajudou a vencer barreiras inatas e projectá-las em espectáculos de
estética impar correndo mundo!
É
incomensurável o estádio dos Paralímpicos
ao longo da História, inesgotáveis são as suas pistas, indescritíveis os seus
segredos energéticos. Por isso, curvo-me, emocionado e, mais do que isso,
agradeço, o mundo inteiro agradece e irresistivelmente interioriza a lição
memorável dos Heróis – Todos, particularmente Os Não Medalhados – Paralímpicos/16,
deuses do Olimpo regenerador dos nossos tempos!
17.Set.16
Martins Júnior
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