Nunca
a Paz viajou tanto, como na semana que
acabámos de viver. Em aeroplanos vip, a
abóbada planetária viu cruzar-se no firmamento azul do seu seio a branca pomba
da Paz pousada nas asas dos
aviões-de-bandeira. Foi a Assembleia das
Nações Unidas, foi a Assembleia inter-religiosa em Assis, foi a Conferencia de Bratislava, foi o Acordo de cessar-fogo
na Síria e outros "sínodos" político-religiosos, desde Nova York a Paris, desde Assis
ao Médio Oriente e, ainda no coração da América Latina. Se acrescentarmos a apoteose de braços e cores dos Jogos
Olímpicos, dir-se-ia que estamos no melhor dos mundos, no advento da Pax Universalis, pomposamente lavrada e
autenticada em sumptuosos salões.
Mas as
juras de amor fraterno não fazem a viagem de retorno, quase sempre não passam
dos pergaminhos que ficaram ciosamente embalsamados no berço onde nasceram, tal
como a primeira pedra enterrada no
terreno expropriado para projectos que nunca de lá sairão. Caso mais fremente
não há do que a pax síria, onde a fé
muçulmana de El Assad versus rebeldes
de Alepo se embrulha nas “fés”
russo-americana, ambas de sentido radicalmente oposto, para fabricarem as bombas que tudo destroem e
matam vítimas indefesas. É que ninguém quer abdicar dos seus paiós, uns capciosamente
camuflados, outros ostensivamente abertos, sejam as finanças, sejam as alianças
espúrias, as hegemonias, sejam enfim as
armas – a que tudo se reconduz.
Esta
breve reflexão serve para pôr ao rubro o
contraste entre as encenações vistosas dos “teatros da paz” ( leia-se “teatro de guerra”) e os
caminhos e as veredas pedregosas que conduzem à verdadeira Paz, fruto de muito
sangue e maior sofrimento de décadas, senão mesmo de séculos. E abro logo os
dois cenários contratantes:
Por
muito que brade ao mundo o Papa Francisco em Assis de Itália o pregão – quente e eloquente como nenhum outro! – do Consenso Mundial sob o sinal da Fé,
dificilmente os primeiros destinatários, cardeais, bispos e similares
alistar-se-ão na sua generosa cruzada. Digo o mesmo (até com maioria de razão)
das 400 religiões que se assentaram na grande Assembleia em terras do Poverello. Porque os magnatas-donos da religião não estão sós. A fé num mundo institucionalizado dificilmente se
liberta das vestes do poder e dos interesses mundanos. Permitam-me a expressão,
mas tenho que dizê-lo: de manhã servem a Deus na liturgia pontifical, mas à
tarde e à noite servem o Maligno sentado nas cadeiras dos poderosos. Como pode
uma Igreja oficial chinesa, comandada pelo Estado, juntar-se a uma Igreja
livre, crística, despida da prepotência dos ditadores? O que trago dito
aplica-se exactamente à Igreja Ortodoxa moscovita. E a outras crenças
multiplicadas como cogumelos por esse
mundo fora. “Ninguém pode servir a dois senhores”. Por isso – a não ser que se trate de gente de Fé inquebrável e assumidamente sacrificial,
como nalguns casos, depois proscritos pela aliança Igreja-Governo – sou um
céptico, militante descrente de magnas assembleias religiosas em que os
tratados de Paz vêm curtidos com as sotainas escarlate dos seus
subscritores. Com quem conta Francisco
Papa para a Via Crucis, a caminho do
Gólgota, de onde ressurgirá a “Misericórdia”,
o Perdão, o Consenso, os nomes duradouros da Paz?!
.
Por outro lado, cruzo-me com a “Festa da
Reconciliação” nas pampas da Colômbia. Cinquenta e dois anos de ódios
irreconciliáveis foram definitivamente transformados no abraço impossível para
o mundo, mas sentido, amado, proclamado entre os guerrilheiros camponeses das aldeias e as urbanas tropas
governamentais, com o expresso exemplo pessoal do comandante “Timochenko”, pelas FARC, e o presidente José Manuel Santos, pela Colômbia. A “bênção” que selou este milagre foi o
sangue perdidamente derramado e hoje reconhecido como o percurso definitivo
para a concórdia das gerações futuras. Os acordos de Paz não são feitos de
papel, mas de homens e mulheres, conscientes, pela dura experiência, de que
precisam, não de balas e canhões, mas de pão para a boca e cultura, a tal fé,
para o espírito. A gravura-supra bem podia ter por legenda: “Abaixo as armas –
Acima a Paz”!
Quererá
qualquer de entre nós, no seu próprio
meio, alistar-se nesta campanha?
25.Set.16
Martins Júnior
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