Pertence
à literatura paralela, sobejamente conhecida, o axioma supra-citado. Achei
adequado trazê-lo hoje ao nosso convívio, para dele extrairmos ilações úteis, coladas
a nós próprios sem que disso tomemos inteira consciência. Dotada de incontáveis
e misteriosos megabytes, a banda
larga da nossa memória chega a um dado tempo crono-psicológico em que os
neurónios são obrigados a “descarregar” informação acumulada para dar espaço a
novas mensagens que, por sua vez, conhecerão o adequado “cl”. É o normal processo
neurológico em marcha. Hoje, porém, 21 de
Setembro, a comunidade científica e nós, seus utentes, nos confrontamos com um
outro processo – este, degenerativo e destruidor da personalidade – chamado síndrome
de Alzheimer, cada vez mais
disseminado nesta era de inimagináveis conquistas tecno-científicas. Ironia das
ironias: quanto mais se avança na grande escalada do elixir mágico que cura e
transcende os vírus malignos, mais se degrada e apodrece a potência criadora da
mente humana! Caso para recordar com Luís Vaz de Camões: “Vejam agora os sábios na Escritura/ Que segredos são estes da
Natura”…(Lus. V,22).
Uma palavra de respeito e profundo apreço por
aqueles que, no decurso de anos e anos de luta e sofrimento, esgotaram-se, ao
ponto de não se reconhecerem, nem a si,
nem aos outros. Na mesma linha e com redobrada homenagem a todos quantos
dedicam todas as suas forças como cuidadores incondicionais dos seus pais e
avós. O diário El País, na sua edição de hoje conclui que “em 94% dos casos, os
parentes tomam a seu cargo o cuidado da pessoa que sofre dessa enfermidade” e constata
a extraordinária entrega de Juan Pedro Garcia, de 41 anos de idade, que desde
2009 deixou tudo para cuidar da sua mãe Antonina Hernandez, de 82 anos, afectada
pela fatídica doença. E outros casos haverá entre nós.
Mas
o Alzheimer - ainda um outro!
- que me persegue todos os dias,
cai-me hoje diante dos olhos e arrebata-me os nervos. Ao contrário do Alzheimer fisicamente visível, estoutro,
em vez de fazer-me esquecer, desperta e aguça-me a memória, faz-me bradar ao
silêncio do meu quarto e impele-me a sair à rua, pegar nas armas da consciência
humana e denunciar “até que a voz me doa” o Alzheimer
auto-provocado, insensível, globalizado. Toma outro nome, eufemisticamente
designado por “Indiferença”. Foi Francisco Papa quem mais ostensivamente denunciou a todo o planeta, sobretudo aos dominadores
dos povos, a “Globalização da Indiferença”! Com a autoridade moral e factual
que lhe assiste, lançou o ataque frontal contra esta espécie maligna do Alzheimer pré-elaborado, assumido,
legislado.
Para os amigos que me acompanham dia-a-dia à mesa
deste convívio vespertino, nem é preciso especificar. Tanto quanto eu, vêem e
sentem o maquiavélico tropel dos que fecham os olhos, tapam os ouvidos e
anestesiam o espírito diante do que se passa à porta de casa. Poderia lembrar
todo esse estendal de Congressos, Cimeiras, Protocolos, Acordos de cessar-fogo –
assinados hoje e insolentemente varridos
amanhã da memória e dos actos! Os magnatas da finança metidos no bunker dos offshores
e dos bancos que devoram as poupanças
dos lesados; e estes, por sua
vez, que querem sangrar o povo, exigindo-lhe devoluções que não lhe dizem
respeito.
Na
esteira do Papa Francisco, aqui entram os “sacerdotes e levitas” que vêm o
samaritano moribundo e dele se esquecem passando ao largo. Entram os que, armados
de “misericórdia” até à gola, lêem nos
púlpitos o Evangelho e deixam-no no congelador das sacristias para
voltar a tirá-lo no dia seguinte,
mecanicamente, sem memória nem coração, num ritual de contrabandistas
refinados, contumazes, o que nos provoca
mais raiva que tédio. O seu silêncio cúmplice, na palavra e na acção, fazem
deles narcotizados profissionais do Alzheimer
global.
E
nós, também, cada um de nós, no recanto mesmo longínquo deste mundo doente por opção,
decidamos atacar esse vírus da inércia e
do laxismo, para nos mantermos imunes,
sempre de memórias vivas, vigilantes e saudavelmente interventivos.
21.Set.16
Martins
Júnior
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