Deixei-me
ficar, esta semana, em Machico, tantas foram as ofertas, caídas como prendas
outonais no terreiro da nossa casa
comum. Prendas culturais, na ribalta do teatro, nos colóquios da história e da
psicologia, na academia dos sons, desde os concertos de órgão até aos metais da
Banda Municipal que, desde domingo p.f. até ao 1º de Novembro, festejará uma brilhante longevidade de 120
marchas de aniversário, associando-se-lhe os acordes solidários das Bandas de
Santana e Câmara de Lobos. Expressivas manifestações de descentralização cultural
e de autonomia criativa, a que outras se
seguirão, entre as quais o título que encima o presente texto.
“Amor, determinação, acção – eis a trilogia do
sucesso”. Assim começa o concerto a-quatro-mãos, cuja partitura vem
monitorizada naquele sonho “DO MEDO À ESPERANÇA”, que António Coimbra Matos e
Raquel Varela magnificamente compuseram. Ele, psiquiatra, de vasta e abalizada
experiência na área da Psicanálise. Ela, historiadora e investigadora do
Instituto de História Contemporânea na Universidade Nova de Lisboa, professora
convidada de várias universidades estrangeiras, autora de uma rica e densa bibliografia
sobre a realidade actual e, entre outros segmentos de actividade, participante
no recente programa da RTP3, “O Último Apaga a Luz”, à sexta-feira.
Estará
connosco, no Solar do Ribeirinho, 2 de
Novembro, às 19H.
Toda
a obra de Raquel Varela é um voo em espiral, explosão de optimismo realista,
umas vezes carregado de doloroso dramatismo, porque radicado no chão frio e
duro da contraditória condição humana do nosso tempo, outras vezes clamoroso e
entusiasta, roçando a Utopia, de Tomas Mann e de Fernando Pessoa. Corajosamente,
Raquel Varela obriga-nos a “cair na real”, sem peias nem meias-tintas, para de
seguida, em mútua cooperação – “construção de relações, a chave de tudo” –
levar-nos a construir soluções e pistas em direcção ao futuro. Um pensamento forte:
“É preciso mudar de vida para mudar a vida. Na psicanálise como na vida, instalar
uma nova relação para fruir de uma nova vida”.
O
livro, sob a forma de diálogo em crescendo, associo-o à Grande Enciclopédia do
Saber, do Sentir e do Agir, tal a amplitude dos espaços históricos que abarca e
os testemunhos “ao vivo” de ontem e de hoje. Cervantes (A estrada é sempre melhor que a estalagem) Rosseau (O normal no homem é o do ‘bom selvagem’ que
não tem medo da liberdade, do lazer e do prazer) Rosa Luxemburgo (Quem não se movimenta não sente as correntes
que o prendem) e a antítese entre “Édipo culpado e Ulisses dedicado, por
amor”.
O
amor, o trabalho, a família, a empresa, a luta, a informação, a frustração, o burnout,
enfim, é a vida toda e o mundo todo
que perpassam diante de nós, impelindo-nos a caminhar porfiadamente face ao
futuro, porque “a emancipação de um povo é de conquista, não de oferta”.
Ao
“beber de um só fôlego” a mensagem DO
MEDO À ESPERANÇA, acudiram-me à memória “As Lições de Abismo” do sociólogo
brasileiro Gustavo Corção e a “Summa Theológica”, de São Tomás de Aquino, a
qual, no caso vertente, tomaria a designação de “Summa Vitalis”, o tratado da
Vida.
Desisto
de fazer mais citações, porque de cada uma que fizer, outras nascerão, mais belas e arrebatadoras, porque todas as
linhas dessa enorme arquitectura dirigem-se a esta ogiva fundamental: “A vida é
festa; ou não é vida. A dança do trabalho e do amor. E a psicanálise e a
família são, por excelência, parte nobre do texto e do contexto da vida em
festa”.
Interrompo
esta ouverture em tom maior, porque o concerto total será na
próxima quarta-feira, 2 de Novembro, às 19H, no inspirador Solar do Ribeirinho.
Coincidentemente, é o Dia de Finados. Talvez a maior mensagem seja a da “imortalidade
simbólica”, expressa na conclusão de Coimbra de Matos: “Lidamos com a
consciência da morte, acrescentando algo ao conhecimento, encanto e conforto do
mundo, transmitindo às novas gerações um legado cultural. Com isto tornamo-nos,
de certo modo, imortais”.
Bem-vinda a Machico, Raquel Varela!
27.Out.16
Martins Júnior
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