Descomprimamos
o ambiente. Vamos à música, talvez o
maior altifalante do pensamento que um homem produz. Com a música a palavra
transfigura-se, a Ideia despe-se e, na
sua nudez original, ganha estatura e estatuto que, isoladamente, nunca
alcançaria. Será por tudo isto que a Academia de Estocolmo outorgou o Nobel da
Literatura/2016 ao cantautor estado-unidense Bob Dylon?
E cá estamos nós encalhados na primeira
onda que eu contava ser de descompressão e alívio do peso habitual dos meus entretenimentos
vespertinos convosco. É que isto tem sido um cabo de tormentas e imprecações
para os críticos literários e, mais academicamente, para os professores de
Literatura. Cada qual terá o seu monóculo, tipo queirosiano, para apreciar a
ementa que os “juízes” nórdicos serviram este ano ao mundo, chamado culto. Para
uns, como Jimenez Losantos e Jorge Bustos, o galardão de ouro foi atribuído a
Bob Dylon, pelos mesmos motivos, atestam, que fundamentaram o Nobel da Paz a
Juan Manuel Santos, da Bolívia: “a demagogia mediática e a corrupção política”.
Para outros, operou-se uma viragem de paradigma, a qual uma amiga minha
classificava de “democratização da Literatura”. Certo é que ao Grande Prémio têm-se
candidatado os altos expoentes da escrita, uma “élite” (perdoem-me o galicismo)
ardorosa, requintada e segregada, o que não raras vezes tem provocado atritos e
insanáveis dissenções entre os pretendentes. Lembremo-nos, por todos, António Lobos Antunes e José Saramago. Uma
perspectiva diametralmente oposta é a que entende o texto como um grito que estala na dormente e
obscura insensibilidade da geopolítica em que os donos-disto-tudo nos obrigam
a viver. Aqui, o poeta - o escritor – é o
profeta do Futuro.
Desta
dicotomia estrutural, nasce uma outra que vem de longe, pela qual se deve
privilegiar o qualitativo em detrimento do quantitativo. Levar-nos-ia a um
largo oceano de opções este debate. Apraz-me dizer, apenas, que na mesma linha
de Bob Dylon, mereceriam o pódio cimeiro os nossos Sérgio Godinho e Zeca
Afonso.
Mas a mais certeira bissectriz deste
dilema quem a traçou foi o próprio laureado. Nem respondeu à chamada!... O
incomensurável enredo desta atitude, a lição enorme de desapego “daquele vã
cobiça e daquela vaidade humana com que se o povo néscio se engana” (Lus.V, ) podemos ver “claramente visto” (Ibid.) na decisão de Bob Dylon. Prova
aberta,, irrefragável, de quem canta sem preço e escreve sem prémio, porque
nele, como em António Aleixo, “mais vale pardal na rua que rouxinol na prisão”.
Num
mundo em que impera o primado maquiavélico do vale-tudo, na banca, na política,
até nas religiões, a maior peça literária e a mais bela canção (mais que a
desassombrada Blowin in wind ou The times they are a changin) está a
dar-nos, aqui e agora, Bob Dylon, com esta atitude de gigante que não rasteja
no chão lodoso das promessas megalómanas.
Para nós, portugueses, o fenómeno não é
estranho. Dois casos exemplares bastarão para prová-lo, em nosso conforto e
para nosso modelo: Zeca Afonso – que se recusou a receber a Medalha da “Ordem
da Liberdade”, atribuída pelo Presidente da República Ramalho Eanes. Ele, um
dos maiores lutadores pela Liberdade do Povo Português! O outro protagonista,
nosso – mais nosso por ser madeirense – é Herberto Hélder que, da mesma forma, recusou o Grande Prémio Camões, ele “o Poeta Maior”.
Nesta senda da poesia, outra chave de
ouro mais perfeita não acho para definir essa entrega incondicional dos
verdadeiros servidores de uma Causa Maior, senão o ainda mais nosso – porque de Machico –
Francisco Álvares de Nóbrega, no último verso de um dos seus preciosos sonetos:
“Das almas grandes a Nobreza é esta”!
19.Out.16
Martins Júnior
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