Nada
melhor que um provisório agitar de ondas numa manhã aberta de luz oblíqua.
Porque aí vêem-se os contornos das falésias, aí separam-se as águas e aparta-se a promiscuidade
estagnada. Provisório – disse – no sentido de metódico e didáctico, tal com a
dúvida cartesiana que nos descobre a verdade.
Estamos
a viver, na hora presente, essa manhã da descoberta. Ela surge ciclicamente em
cada pico da história. Mas esta é a
nossa hora. Na ciência, na tecnologia, na medicina, até na atribuição dos
Prémios Nobel, como nos demonstrou a
Academia sueca no segmento da literatura. É na agitação das ideias e das opções
que se forjam os rumos do futuro.
Hoje,
no redemoinho turbulento da maré vejo a milenar “barca de Pedro”, a Igreja Católica. E vejo-a
através de um vídeo que o sempre actualizado Padre José Luís Rodrigues teve a
gentileza de partilhar: Aconselho-o a todo o homem, cristão ou não, que quer
encontrar a verdade separada da mentira, o trigo limpo expurgado do joio. É o
colóquio – não lhe chamo sermão, porque é muito mais que um discurso anémico –
dirigido a eclesiásticos e crentes no dia da Senhora da Aparecida. Que tratado
de clarividência, que bravura de carácter, que coerência evangélica a do bispo
Angélico Sândalo Bernardino. Palavras de Anjo libertador, sabendo ao sândalo
rude e aromático da Verdade, denunciando o charco social da sociedade
brasileira, inclusive a de certa prática religiosa, em que o “regime
capitalista em que vivemos mata a dignidade da pessoa humana”. O convite a um
jovem padre, de etnia negra, ali presente, para junto de si, abraçando-o
efusivamente e apontando para a imagem: “A Senhora da Aparecida também é preta
e Ela não suporta a segregação, seja qual for”! Perante tanta coragem, só me
aparecia na retina o falecido Hélder da Câmara, o chamado “bispo vermelho”, quando
o ouvi falar em Olinda e Recife, em 7 de Setembro de 1972, dia da Independência
do Brasil. É assim a hierarquia brasileira, com bispos da estirpe de Duarte
Calheiros, António Fragoso e muitos outros que bateram pé nos tempos da
ditadura militar (1964-1985) e que sofreram os garrotes do poder autocrático de
então.
O
comentário do Padre JLR, corroborado por muitos seguidores, terminava com esta
ousada incógnita: “Quando é que em Fátima ouviremos um bispo, um cardeal, com
uma mensagem tão clara e coerente com o
Evangelho”?!
Nem de propósito, abro o Le Monde , que traz em grande manchete o
seguinte título “Le cri d’alarme des évêques
de France” - O grito de alarme dos bispos
franceses – referindo-se ao documento que o presidente da Conferência
Episcopal Francesa, Georges Pontier, arcebispo de Marseille, apresentou publicamente em 13 de Outubro.
Raridade num jornal agnóstico, são dedicadas duas páginas inteiras e um
editorial. Do texto integral, que merece uma leitura atenta, recorto duas citações: “Num mundo que está em mudança,
é preciso reencontrar o sentido das política”. E ainda: “O contrato social tem
de ser redefinido”.
Volto ao comentário de JLR e convido
quem me lê: façam o paralelo entre o vigoroso texto do episcopado francês e a
pomposa encenação, no mesmo 13 de Outubro em Fátima, que a nossa comunicação
social titulava assim: “A peregrinação é
presidida pelo Secretário de Estado do Vaticano”. Semelhante contra-senso seria capaz de fazer
desabar o tecto da nova basílica. Mas o que é isto? A mensagem de Maria, Mãe de
Jesus, escoltada, presidida por um Secretário
de Estado?!... E de que Estado?... Alguma vez, Pedro, o pobre pescador da
Galileia, e o seu Mestre sonharam ter
embaixadores, os “núncios apostólicos” , e secretários de Estado, os cardiais?...
É caso para orar à Senhora que repita hoje o pedido que fez aos três humildes pastorinhos: “Digam às pessoas que não ofendam
mais Nosso Senhor, porque ele já está
muito ofendido”.
Neste agitar de águas contraditórias, agradeço a aparição de homens, como o bispo
Angélico Sândalo Bernardino e como os
bispos franceses que nos ajudam a separar o trigo do joio. Confio ainda que o
nosso J: Cristo reincarnado, parcialmente, na vida e na acção deste Francisco Papa, quando vier a Fátima em 13 de
Maio de 2017, nos ajude a dissipar as trevas, meta sangue novo na hierarquia e
nos cristãos e purifique o nosso olhar para descobrirmos a manhã luminosa da
Verdade.
15.Out.16
Martins
Júnior
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